Muito para nada – A imprensa vive de manchetes. Se forem escandalosas, melhor. Certa feita, o jornalista Carlos Brickmann, dono de um dos melhores e mais lógicos textos do País, disse que em tempo de escassez de notícia até escultura de areia na praia vira manchete. Romário Faria de Souza – ou simplesmente Romário – gosta de praia, é verdade, mas está longe de ser escultura de areia. Mesmo assim, o deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro acabou virando uma das manchetes desta segunda-feira (11).
Ex-jogador da seleção brasileira e de importantes clubes brasileiros e do exterior, Romário foi parado em uma blitz na capital fluminense e se recusou a fazer o teste do bafômetro. Por conta disso, teve a carteira de habilitação apreendida por cinco dias. Foi a segunda vez que o ex-jogador se recusou a fazer o teste do bafômetro.
Encerrado o entrevero de trânsito, o assunto dominou as redes sociais, onde Romário perdeu a cabeça e rebateu alguns ataques. Não fosse a notoriedade do agora deputado Romário, o imbróglio não teria merecido nem mesmo um rodapé de página no mais desqualificado jornal verde-louro.
Na opinião dos jornalistas do ucho.info, Romário poderia ter atendido à solicitação dos agentes de trânsito, aproveitando a própria fama para dar um bom exemplo àqueles que assumem o volante após a ingestão de bebidas alcoólicas.
Por maior que seja a indignação de muitos brasileiros, Romário não cometeu qualquer ilícito ao não fazer o teste do bafômetro. A Lei Seca, que instituiu o mencionado teste, é vergonhosamente falha e inconstitucional. O maior conjunto legal do País é a Constituição Federal, que não pode ser superada por qualquer lei, mesmo que extremamente necessária.
O conjunto legal brasileiro é claro ao afirmar que “ninguém deve ser obrigado a produzir prova contra si mesmo”. Trata-se do princípio do Direito romano “nemo tenetur detegere”. Ora, por força da lei não há como exigir de qualquer cidadão, famoso ou não, a realização do teste do bafômetro, prova necessária para embasar qualquer acusação e futuro e eventual processo. E nenhum processo investigatório ou judicial pode se basear em ilações ou suposições.
De igual modo, não cabe a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação pelo fato de o motorista ter se recusado a realizar o mencionado teste, pois o conjunto legal do País, como mencionado anteriormente, protege o cidadão de maneira inconteste. Situação idêntica acontece no caso das ações de investigação de paternidade, na qual a autoridade judicial pode requerer a realização do teste de DNA. Tal princípio também é contemplado pela convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto De São José de Costa Rica, que assegura “o direito de não depor contra si mesma, e não confessar-se culpada”.
Desde a sua feitura, a Lei Seca carrega um erro conceitual que deixa livre os motoristas alcoolizados de qualquer punição, pois o teste de dosagem alcoólica é considerado produção de prova contra o acusado. Bastava que seus redatores tivessem inserido na lei “sinais aparentes de embriaguez” para que o Estado retirasse das ruas os irresponsáveis que tomam o volante após a ingestão de bebidas alcoólicas.
Não se trata de defender o deputado Romário e todos aqueles que se recusam a fazer o teste do bafômetro, mas de exigir o fiel cumprimento da lei, sob pena de a democracia ficar ainda mais ameaçada por causa do contínuo e acintoso desrespeito ao conjunto legal verde-louro.