(*) Ucho Haddad –
Quem não torceu por um show de Neymar no Morumbi? Fora os jogadores e torcedores do São Paulo, todos os brasileiros apaixonados por futebol esperavam um espetáculo em que a redonda seria novamente transformada em objeto de ilusionismo. No velho e bom Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o camisa 11 do alvinegro praiano foi, como sempre, o craque da partida. Ouso arriscar que até mesmo alguns tricolores, não tão fanáticos, admiraram o desempenho do jogador na tarde chuvosa deste domingo paulistano. Fossem outros tempos, Neymar teria saído de campo com um punhado de prêmios, troféus mambembes e outros badulaques.
Na vitória sobre o SPFC, que deu ao Santos o direito de disputar a final do Paulistão contra o campineiro Guarani, erros foram cometidos em dois flancos. O primeiro deles coube à imprensa, que insistiu em resgatar a história para mostrar que a última vez que o alvinegro conquistou o tricampeonato paulista foi na era Pelé (67-68-69). Contra fatos não há argumentos, especialmente quando esses são históricos. A imprensa precisa de audiência, o futebol, de polêmica. Mas essa insistência midiática levou a uma comparação inevitável e recorrente. De que Neymar é tão bom quanto foi Pelé. Isso ainda está longe de acontecer, mas não é impossível. Para chegar a esse Olimpo da bola Neymar precisa jogar futebol e nada mais.
Quem não gostaria de ser um Pelé na sua área de atuação? Qualquer um! Até café já foi Pelé um dia. Na seara do futebol há um sem fim de olho nesse rótulo. Robinho, atualmente vestindo a camisa do Milan, também foi alvo de comparação idêntica. Enquanto dava suas pedaladas na Vila Belmiro, Robinho foi incensado como o novo Pelé. Rumou para o Velho Mundo embalado por um sonho ufanista sem chance de se tornar realidade. Pedaladas no futebol europeu não fazem diferença. Encerrada a fase de dribles galhofeiros, Robinho tornou-se um jogador ligeiramente além de mediano, nada mais.
O segundo erro foi cometido pelo próprio Neymar, apesar de o atleta ter negado. O excesso de firulas em campo irrita os adversários, que acabam reagindo com faltas tão duras quanto desleais. Em algum momento o craque santista será alvo da deslealdade alheia e terá, mesmo que por vias transversas, mais tempo para pensar no assunto. Todo atacante de qualidade é caçado em campo, mas dribles sobressalentes e humilhantes são desnecessários. Futebol é negócio e quem está nesse universo não quer ser menosprezado. Seja pela vaidade, seja pelo cifrão que tem na alça de mira.
Neymar é um jogador com muitos degraus acima da média e pode em curto espaço de tempo ser o melhor do mundo. Para isso precisa levar para dentro do campo a humildade que exala diante de câmeras e microfones. Sua intimidade com a bola flana entre o invejável e o impressionante. A facilidade com que lida com a protagonista do principal esporte do planeta dá a sensação de ser ela [a bola] uma extensão do seu corpo. Com a bola nos pés Neymar encanta, desencanta, canta. Faz dos outros jogadores meros espectadores de uma sinfonia sem notas atravessadas. Até mesmo os torcedores adversários esquecem suas predileções em determinados momentos, tamanha é a magia que brota das chuteiras luminosas do jogador.
O fato de ser uma quase unanimidade nacional exige de Neymar respeito aos adversários. Situação idêntica somente a vivida por Pelé, quando ainda atuava nos gramados verde-louros. O bom futebol, aquele que proporciona espetáculo, transcende os limites da paixão entre o torcedor e seu clube do coração. Qualquer um quer ver a bola desafiando a física ao fazer a curva do impossível, alterando a química na alma do apaixonado pelo esporte, questionando a biologia sobre o excesso de talento. Neymar desafia todas as teorias, científicas ou não, e por conta disso deve conquistar o respeito incondicional de todos os torcedores, em todos os rincões, em qualquer Vila, Belmiro ou não.
A relação de Neymar com a bola é como a história de Romeu e Julieta. Algo indescritível, de quem nasceu para o outro, e vice-versa, para um amor recíproco, louco e incondicional. Para mostrar ao mundo o que a interação de almas é capaz de fazer, se é que bola tem só alma. Porém, não se deve permitir que a irresponsabilidade de alguns faça com que essa dupla termine como os personagens de William Shakespeare, que saíram de cena de forma trágica e antes da hora. Fosse possível voltar no tempo, o dramaturgo inglês por certo inseriria o atacante santista em um de seus escritos.
Com a devida licença, Jorge Ben Jor poderia fazer uma nova versão da música Fio Maravilha, pois Neymar sempre tabela e dribla dois ou mais zagueiros. Dá um toque e dribla o goleiro. Marca gols de classe, mostra sua malícia e sua raça. Faz gols de anjo, faz gols de placa. Neymar, sem firulas até o adversário gosta de você. Sendo assim, faz mais um pra gente ver!