Don Curro: comida espanhola para inglês ver

(*) Lucullus –

O brasileiro não conhece a Espanha. Essa foi a conclusão que tirei hoje após a minha primeira visita ao célebre restaurante Don Curro, em São Paulo.

Desde que cheguei para morar em São Paulo há sete meses, não tinha ouvido uma só crítica ao Don Curro. “Extraordinário”, “Vale até o último centavo”, “Fora de série”, “O melhor restaurante espanhol de São Paulo disparado”. Só superlativos que me faziam acreditar que iria comer uma comida espanhola tradicional e provavelmente boa.

De acordo com a história que consta no site do restaurante, Don Curro, ex-toureiro em Sevilha, veio com a esposa Carmen, neta de uma cozinheira do palácio real de Granada, para o Brasil e abriram em 1958 o restaurante. Ou seja, o lugar parece que tem história.

E história o lugar vai lhe mostrar, pois além das inúmeras fotos nas paredes invariavelmente retratando cenas de tauromaquia, havia um manequim, ao melhor estilo Madame Tussaud, de um toureiro vestido de “luces”, ou seja, no traje tradicional para tourear.

Mas, vamos ao que interessa. Começamos com uma entrada de mejillones (marisco) a la vinagreta. Já foi um choque, porque os mejillones estavam duros, a vinagreta sem o frescor tradicional da vinagreta. Ora bolas! Tem algumas coisas que não podem ser feitas e guardadas, tem de ser feitas na hora ou um pouco antes. Quem já comeu marisco em vários lugares sabe que o marisco em si já é gostoso sozinho, basta cozinhar um pouco e pronto. Ou seja, entra na minha categoria de ser “difícil de estragar”. Sempre e quando, claro, seja fresco e de boa qualidade. Continuemos…

Depois veio o que parecia ser umas “gambas al ajillo”, o famoso prato espanhol “camarão ao alho”. Já provei muitas “gambas al ajillo”, inclusive aqui no Brasil, mas nunca tinha comido umas “gambas al ajillo” tão ruins na minha vida. O meu prato, no final, tinha uma montanha de alho que separei do camarão para poder prová-lo. O camarão em si não era fresco, provavelmente congelado, e não estava firme (al dente como dizem os italianos), mas mole e pastoso. A salsinha por não estar fresca nem deixou seu gosto tradicional no camarão.

Como prato principal, um badejo com batatas cortadas em cubos e fritas, um arroz com cor alaranjado e de sabor indefinido, e umas rodelas de lula grelhada. Não estava ruim, de fato até comível, mas esperava bem mais para um lugar cuja fama o precede.

E volto à minha frase inicial… Vislumbrei a sala e só vi pessoas supostamente satisfeitas com o que estavam comendo e acreditando que aquilo era boa comida espanhola. Fiquei perplexo com a falta de conhecimento no Brasil do que realmente é boa comida espanhola. Se um restaurante produz aquilo e chega ao topo em São Paulo, só posso concluir que os brasileiros têm de ir mais à Espanha para descobrir o abismo que existe entre o que acham que é e o que realmente é.

(*) O autor, que assina pelo pseudônimo de Lucullus, nasceu no Brasil, mas morou boa parte do início de sua vida na Espanha, numa época em que quase não havia estrangeiros por lá, muito menos brasileiros. Cresceu entre espanhois, comendo bem e vivenciando a salutar tradição do “tapeo” como um espanhol. Teve a fortuna de nascer numa família que sempre deu muita importância à gastronomia e, graças a isso, conheceu muitos dos restaurantes espanhóis notáveis, que depois vieram a ser mundialmente famosos, além, claro, dos inúmeros bares de tapas de uma simplicidade estarrecedora e que produzem manjares inigualáveis. Um dos seus hobbies preferidos é cozinhar. Dizem as más línguas que já teve uma breve experiência em uma cozinha profissional.