(*) José Nêumanne Pinto –
Lula ainda garante que não se arrependeu da troca de afagos com Maluf, mas rejeição de petistas já faz Haddad perder um quarto de eleitores conquistados
Uma das principais características de Paulo Maluf é o cinismo retórico. No entanto, nada há a lamentar ou a corrigir na declaração que ele deu sobre o polêmico flagrante no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ele trocaram afagos diante do constrangido candidato petista à Prefeitura paulistana, Fernando Haddad. “Quero dizer em alto e bom tom que o PT se comportou à direita de Paulo Maluf. Eu perto do PT hoje sou comunista. Eles defenderam mais do que eu as multinacionais e os banqueiros”, pontificou. Impossível encontrar algo que se possa desmentir ou condenar: tudo é irretocavelmente verdadeiro.
No mesmo dia em que o novo aliado falou com a precisão de um analista político, Lula prometeu morder as canelas dos adversários, dirigindo-se indiretamente ao principal adversário de Haddad na eleição de outubro, José Serra, do PSDB. Sabe-se lá como o fundador da Psicanálise, o austríaco Sigmund Freud, classificaria esse a bazófia lulista em sua clássica coleção de atos falhos no belo texto de Psicopatologia da vida cotidiana.´ Mas é inegável que gente normalmente chuta canela, não morde. A bravata do guru petista foi tão infeliz que permitiu ao tucano Orlando Morando, de São Bernardo do Campo, pátria do sindicalismo que lançou o sindicalista que chegou ao topo da política fazer um comentário desrespeitoso: “Em São Paulo, Lula não é um pit bull. Ele não passa de uma Lassie”, cadela que foi estrela de cinema. A ousadia tem motivação histórica: o PT perdeu as duas últimas eleições municipais com Marta, derrotada pelo próprio Serra e um de seus baluartes agora, o prefeito Gilberto Kassab (PSD). Mas o ex-presidente não se fez de rogado e garantiu que não se arrependeu de se ter deixado fotografar com o risonho aliado que já foi por ele definido como “filhote da ditadura”.
Talvez ele devesse. Pesquisa da DataFolha publicada ontem deu conta de que 64% dos petistas rejeitaram o apoio de Maluf e concordaram com a ex-companheira Luiza Erundina, para quem o pragmatismo explica a coligação com o vilão por causa do minuto e meio a mais no horário eleitoral, mas provoca um desgaste político incalculável.
A mesma pesquisa desautorizou Lula, que ironizou o líder da preferência do voto, José Serra, que passou de 30% para 31%. De fato, um ponto porcentual a mais é pouco para quem seduziu quase um terço do eleitorado. Mas o que dizer da inversão de alta do favorito do ex-metalúrgico? Haddad perdeu 25% dos índices que quase tinham triplicado. Ele subiu de 3% para 8% e caiu para 6%. E agora, Luiz?