Verdade cruel – A cassação do mandato de Demóstenes Torres nem de longe representa uma faxina no Senado Federal. De igual modo não significa que servirá de base para a reflexão dos senadores remanescentes, que deveriam revelar à opinião pública a verdade assustadora que impera nos bastidores do poder.
Para que serviu, então, o processo de cassação de Demóstenes? Pois bem, esse processo serviu primeiramente para que o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) alcançasse os quinze minutos de fama a que todo terráqueo tem direito, segundo a profecia do falecido artista plástico norte-americano Andy Warhol.
Estridente integrante da CPI do Cachoeira, Randolfe Rodrigues insiste em oferecer o dedo em riste aos convocados pela Comissão, com direito a discursos acusatórios que abusam do “juridiquês”, mas em nenhum momento o algoz de Demóstenes Torres pensou em convocar o companheiro de legenda Elias Vaz, vereador em Goiânia e flagrado pela Polícia Federal em conversas nada ortodoxas com o contraventor, a quem costuma chamar de “companheiro”. O PSol, que passeou no caso Demóstenes como aríete da retidão política, preferiu afastar Elias Vaz da presidência do partido em Goiânia, até que os fatos sejam esclarecidos. Ou seja, a imediata força da lei serve apenas aos adversários do PSol.
Mas a cassação de Demóstenes não serviu apenas de palco para Randolfe Rodrigues. A decisão tomada no plenário do Senado na tarde desta histórica quarta-feira (11) foi transformada em uma espécie de cortina de fumaça, que permitirá que outros parlamentares envolvidos no escândalo escapem sorrateiramente da vala da suspeição. Até porque, o corporativismo continua valendo no Congresso e a cassação desta tarde se deu à sombra da vingança.
A Câmara dos Deputados, que já deveria ter tomado atitudes mais drásticas em relação aos parlamentares acusados no Cachoeiragate, pouco fez. Para não fazer uso da injustiça, a Câmara aprovou parecer do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que recomenda a cassação do mandato do deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO). Já as representações contra os deputados Sandes Júnior (PP-GO) e Rubens Otoni (PT-GO), investigados pela comissão de sindicância ligada à corregedoria, foram arquivadas. Resumindo, no caso Cachoeira só os oposicionistas serão levados ao patíbulo da culpa. De quebra a Câmara rejeitou a abertura de processo contra o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), flagrado pela PF em conversa telefônica com o araponga Idalberto Matias de Araújo, o Dadá.
A cassação do mandato de Demóstenes ajudará a direção da CPI do Cachoeira a cumprir as ordens de Luiz Inácio da Silva, maior incentivador da criação da tal Comissão, pois permanecerá no ar, durante algum tempo, a aura de implacabilidade do PT com casos de corrupção, o que é uma sonora inverdade.
Criada com o objetivo de fustigar a oposição e mostrar as falsas pílulas de moralidade que emolduram a esquerda paladina, a CPI dará combustível extra à cúpula do PT, que de algum modo tenta embaralhar o julgamento do caso do mensalão pelo STF, marcado para começar no próximo dia 2 de agosto.
Há quem diga que coincidências existem, mas jamais foi no mundo político que um dia elas deram o ar da graça. Afinal, o exercício de um mandato eletivo não é tarefa para incautos ou inocentes.