É a volta do cipó de aroeira

(*) Carlos Brickmann –

Tudo começou como um movimento de extrema esquerda: na primeira passeata em São Paulo, militantes do MPL, PSTU, PSOL e PCO, com bandeiras, estavam à frente, bloqueando a Avenida Paulista. O MPL, Movimento Passe Livre, foi criado pelo Fórum Social Mundial, organização assumidamente de esquerda, na reunião de 2005. O domínio de Internet usado pelo MPL pertence a uma ONG próxima ao PT, Alquimídia, que recebe recursos da Petrobras e do Ministério da Cultura e até o início das passeatas trazia no site os símbolos governamentais.

Mas o movimento caiu no gosto do público e atraiu gente que não tinha nada de esquerdista: queria protestar contra a corrupção, o desperdício do dinheiro público, o custo da Copa, os gastos de parlamentares, o Mensalão, os problemas da saúde, problemas sempre associados ao Governo. O que era para ser um movimento contra a alta das tarifas virou ponto de encontro de descontentes com o Governo e o PT – a ponto de manifestantes se reunirem em frente à residência de Lula, em São Bernardo, SP, gritando insultos, a ponto de manifestantes se concentrarem diante da residência do prefeito petista Fernando Haddad, em São Paulo. O radicalismo antipetista chegou a acusar a Globo de estar a serviço do PT.

É sensível a queda de prestígio do Governo. Ruim: este é o Governo que temos, gostemos ou não, e que até o fim de 2014 tem a tarefa de gerir o país.

O bumerangue foi e voltou, atingindo quem se sentiu esperto ao ter a brilhante ideia de lançá-lo.

Como diz o provérbio ídiche, o homem planeja e Deus ri.

Millôr e a passeata

Millôr Fernandes, gênio do texto e da frase, assim sintetizava a democracia: “Todo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco na arquibancada do Flamengo”. Foi o que faltou na grande passeata quase pacífica da Avenida Paulista, quando militantes de partidos políticos foram expulsos pelos demais manifestantes, ampla maioria na demonstração.

É verdade que a postura dos militantes partidários foi provocadora. Petistas, seguindo as ordens do presidente do partido, Ruy Falcão, tentaram tomar a frente da passeata, para aparentar que a controlavam; outros grupos partidários também se uniformizaram e levaram bandeiras próprias, não as da manifestação. Mas, por provocadores que fossem, tinham esse direito, que lhes foi negado. Millôr tem razão. Mas também é verdade que quem torce pelo Vasco na arquibancada do Flamengo tem de assumir o risco.

O som do silêncio

Gritos, palavras de ordem, bombas. Mas o ruído mais estrondoso das manifestações foi o causado pelo silêncio da presidente Dilma, do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e de Lula, o ex-presidente em exercício.

Cartola na cabeça

A segunda mulher mais poderosa do mundo está muda. Já a mulher mais poderosa do Brasil está silenciosa por outro motivo: nas palavras do grande Cartola, amigo de Carlos Cachaça, as rosas não falam (http://youtu.be/te2HfDsXcXs)

O silêncio de ouro

O chanceler Antônio Patriota disse que o povo está ganhando mais e por isso se manifestou. Seu pensamento não revelou nada que já não se soubesse sobre ele, mas não precisava tornar tão explícito o vácuo que existe entre suas orelhas.

Constatação

A presidente e seus ministros reuniram-se no Palácio do Planalto, na sexta, para discutir a crise que já durava duas semanas.

Saíram e a sala continuou vazia.

O especialista

O governador do Rio, Sérgio Cabral, aquele que foi fotografado numa festança privada em Paris com amigos empreiteiros, todos com guardanapos na cabeça, suas esposas exibindo para as fotos caríssimos sapatos Louboutin, foi à TV dissertar sobre corrupção.

As emissoras de TV só procuram quem conhece o tema.

Bolsa-Copa

Na véspera de Dilma ser vaiada no Estádio Mané Garrincha, já com manifestações pipocando pelo país, foi publicado em edição extra do Diário Oficial a União, dia 14, o decreto 8.028/13, autorizando o pagamento de diárias a autoridades federais que queiram assistir aos jogos da Copa das Confederações.

A diária de hotel é de R$ 581,00 para ministros (mais verba para viajar a qualquer cidade-sede das partidas); para os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, é de R$ 406,70. Outros funcionários também têm direito a esse tipo de diária, embora menos substancial. Pelo decreto, a diária ainda pode ser duplicada.

O acusado

Aquilo que se conseguiu evitar durante duas semanas de confrontos entre manifestantes e policiais, a morte de alguém, acabou acontecendo em Ribeirão Preto, SP. Alexsandro Ichisato de Azevedo teve a prisão solicitada pela Polícia sob a acusação de avançar com seu carro, um SUV Range Rover, contra 13 manifestantes que ocupavam uma esquina, atropelando-os. Houve três vítimas: duas moças feridas, uma delas gravemente, e um rapaz morto, Marcos Delefrate, 18 anos. Ao que se saiba, não houve atrito anterior: os manifestantes pediram a Azevedo que retornasse; ele ameaçou avançar duas vezes e, na terceira, avançou e matou.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.