(*) Editorial –
O Brasil acordou de ressaca por causa do Supremo Tribunal Federal, que na tarde de quarta-feira (11) avançou na discussão sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, o que, em caso positivo, permitirá a reabertura do julgamento do Mensalão do PT para uma dúzia de condenados.
Há quem garanta que a cizânia aberta no Supremo demonstra que a mais alta Corte do Judiciário reflete a maturidade da democracia brasileira, mas tal interpretação convém a uma ínfima minoria, em detrimento de dezenas de milhões de brasileiros que desejam apenas e tão somente o cumprimento do que está na lei. Na verdade, o que a sociedade cobra, e com razão, é o estrito respeito à Constituição Federal, a maior de todas as leis do País.
Considerando que todo estrago, seja qual for, sempre tem um culpado, a chicana jurídica que recobre a Ação Penal 470 não foge à regra. A culpa nesse caso, como em tantos outros que vilipendiam a nação, é da classe política, que permitiu que o País chegasse a uma situação em que marginais com mandato são beneficiados por interpretações jurídicas de encomenda. Muitos dizem que a divergência de opiniões no Supremo Tribunal Federal mostra que a Corte está representando a pluralidade do anseio popular, mas não é isso que está em discussão. Em jogo está a institucionalização do banditismo político, prática que ganhou força depois da chegada de Lula ao poder central.
Quando busca-se um culpado pelo escárnio que se ergue a partir do plenário do STF, o indicador deve ser prontamente apontado na direção do Congresso Nacional, responsável pelas muitas mazelas que corroem o País de maneira ininterrupta. Por ocasião da descoberta do Mensalão do PT, o maior escândalo de corrupção da história nacional de que se tem notícia, os partidos de oposição tiveram nas mãos a oportunidade de defenestrar Lula da política, apeando-o do cargo, mas o discurso visguento e malemolente da “governabilidade” ocupou a cena. A responsabilidade maior por defender essa tese é do PSDB, que de cima do salto alto acreditava ser fácil derrotar Lula em 2006. O que não aconteceu.
É quase impossível derrotar quem está no poder, exceto quando esse desiste de concorrer a novo mandato. Do contrário, a vitória do status quo é favas contadas. Lula foi o vértice maior de um esquema criminoso e corrupto que começou antes da posse, com direito a crimes eleitorais de toda ordem, mas, mesmo assim, a oposição, sempre soberba, preferiu apostar no impossível, como se o jogo da política não fosse uma roleta viciada.
O Parlamento brasileiro é um faz de conta interminável que provoca náuseas a quem procura compreendê-lo, mesmo que mínima e superficialmente. Nesse joguinho chicaneiro e combinado, o Congresso consegue caminhar na contramão da lógica e defender os interesses apenas dos seus integrantes. É o tal do corporativismo. Lixe-se o que espera e pensa a população brasileira, pois política é negócio bilionário e exclusividade de um grupelho que se alimenta da mesmice criminosa.
Não bastasse o equívoco que foi ignorar a possibilidade de ejetar Lula do Palácio do Planalto, o Congresso aprovou de maneira pasteurizada, como sempre faz e continuará fazendo, a indicação de ministros das instâncias superiores do Judiciário. Não se tem notícia de que a indicação de um ministro do Supremo, por exemplo, tenha sido barrada pelo Congresso. E se isso tivesse ocorrido, jamais os brasileiros saberiam quem votou contra, pois o tal do voto secreto, uma aberração da democracia brasileira, protege os covardes com mandato eletivo. É o que ocorreu no caso de José Antonio Dias Toffoli, que usa o dicionário rocambolesco da Justiça para camuflar uma incompetência conhecida e que há muito é alvo de chistes entre os operadores do Direito.
Fosse apenas um ignaro em termos jurídicos, o que permitiria que atuasse como um paspalho útil, Dias Toffoli é debochado e não faz questão de esconder esse viés “détraqué” de sua personalidade. Durante o seu voto sobre a aceitação dos embargos infringentes, era claro o sorriso de lagarto que o magistrado prendia entre os lábios, como se a Corte fosse a versão tupiniquim do Coliseu, onde um grupo que defende o mal se digladia com o que defende o bem.
Rui Barbosa foi profético ao afirmar: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. O nosso Águia de Haia parecia antever o escândalo do Mensalão do PT e os efeitos nefastos do julgamento do caso. É exatamente assim, envergonhado diante da própria honestidade, que cada brasileiro de bem sente-se depois da ópera bufa que teve lugar no plenário do Supremo.
Culpa, queiram ou não, é como reticência, pois há sempre algo novo a se acrescentar ao enunciado infinito que se abre com o sinal gráfico. Outrossim, a culpa por esse “déblocage” da legalidade é do povo brasileiro que elege ao parlamento quem desconhece e, pior, deixa os eleitos agirem à solta, dando as costas à necessidade de acompanhá-los e cobrá-los a todo instante.
Chorar sobre o leite derramado não resolve e muito menos devolve o produto perdido ao recipiente original. Ademais, a vida segue e o rebanho leiteiro continua a pastar. Por isso, que o brasileiro tome a decisão sobre os embargos infringentes, independentemente do resultado, como divisor de águas para uma nova postura política em regime dito democrático, no qual, por teoria, o poder emana do povo, pois não será com o desdém do cidadão que o Brasil avançará na proporção de sua aludida grandeza.
O Editor