(*) Editorial –
O País amanheceu de ressaca após a decisão equivocada da Suprema Corte, que preferiu ser complacente com os principais responsáveis pelo maior escândalo de corrupção da história brasileira. O último fio de esperança de uma sociedade vilipendiada a todo instante em seus direitos rompeu-se. A sensação é de impotência diante da festa privada da impunidade. Festa essa que contou com a retórica chicaneira de magistrados que se agarraram ao inexorável para defender o indefensável. Como tudo na vida, o STF deu um jeito, um jeitinho bem brasileiro.
Senhor do voto de Minerva, Celso de Mello precisou de quase um quarto de século para fazer história na mais alta instância do Judiciário nacional, obra que foi escandalosamente ignorada nas mais de duas horas de explicações técnicas, marcadas por um voto que ziguezagueou na linha do tempo do Direito, como se a narrativa jurídica fosse capaz de anestesiar a indignação de uma nação.
Em todos os quadrantes do território verde-louro a corrupção campeia sem que alguém consiga detê-la. Contumaz, esse crime hediondo que já integrava o cotidiano tornou-se oficial. A partir de hoje a política sacramentou, com as bênçãos do STF, sua união com a impunidade, ao som do mantra côncavo que exalta a tese de que alguns crimes compensam.
A maioria do Supremo entendeu que é preciso ater-se à lei no momento de julgar aqueles que não apenas desrespeitam-na, como a atropelam. Falar em Estado Democrático de Direito tendo no palco os bandoleiros do totalitarismo é como oferecer pérolas aos porcos. Acostumados a chafurdar na lama, têm como padrão de excelência a sujeira do dia a dia. Jamais compreenderão uma decisão judicial como ato de suposto respeito à democracia, mas, sim, como mais um drible em currículo questionável.
O que se viu nas horas derradeiras do julgamento da Ação Penal 470 foi o ajustamento da hermenêutica jurídica na morsa dos interesses de um grupo de criminosos que tomou de assalto o País, transformando-o em propriedade particular e sem lei. Ao contrário do que pregou Celso de Mello em seu longo voto, fazer justiça não é apenas e tão somente seguir o que estabelece o conjunto legal vigente, mas permitir que a interpretação circule livremente como forma de garantir a integridade do Estado e a dignidade da cidadania.
Enganou-se o decano da Suprema Corte, assim como o novato, ao afirmar que a Justiça não deve se curvar ao clamor popular. O equívoco está em interpretar de maneira distorcida os anseios da sociedade que não mais suporta os desmandos de um partido que a história comprovou ser uma súcia com todas as letras e circunstâncias.
Aristóteles, que por certo pensava de maneira infinitamente melhor e mais assertiva do que todos os juristas citados pelo ministro Celso de Mello em seu esperado voto, disse certa feita: “A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça”. Ou seja, Justiça não se faz só com leis, assim como a sociedade brasileira não exigiu o enforcamento dos mensaleiros em praça pública, não cobrou vingança.
Alguns “garantistas” de ocasião, rábulas ignaros transformados em gênios do Direito e que agora pegam carona no entendimento obtuso do sexteto que beneficiou uma dúzia de protagonistas do Mensalão do PT, afirmam em escritos pouco convincentes que Celso de Mello manteve a coerência ao desapontar a parcela de bem da sociedade brasileira. Ao contrário, Celso de Mello foi incoerente aos rasgar suas tantas e pesadas críticas ao crime hediondo em que se transformou o esquema palaciano de desvio de recursos públicos e cooptação de parlamentares.
O Supremo, por maioria apertada, conseguiu o inimaginável, pois, lembrando Martin Luther King, “a injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”.
O desânimo é natural após uma decisão como a anunciada na fatídica quarta-feira, 18 de setembro, mas desesperar e desistir não têm espaço na nossa luta diária, que, estejam alertas os adversários, continua mais forte do que antes.
O Editor