Negociações sobre Síria recomeçam em Genebra à sombra do ceticismo

(Fabrice Coffrini - AFP - Getty Images)
(Fabrice Coffrini – AFP – Getty Images)
Cachimbo da paz – É difícil de imaginar, atualmente, dois lugares mais distintos que Genebra e Homs. De um lado, o oásis de prosperidade suíça. Do outro, a cidade síria, bastião rebelde, onde habitantes tentam sobreviver a meses do cerco imposto pelas forças do governo – passando fome e vivendo em ruínas.

O que liga as duas cidades é a esperança de que a segunda rodada de negociações entre o governo sírio e a oposição leve a resultados tangíveis. Homs é um teste para a capacidade e a vontade de ambas as partes envolvidas no conflito de resolver a disputa através da solução política. O curso dramático dos envios de mantimentos da ONU desde último fim de semana mostra que as partes não conseguem entrar em acordo nem mesmo sobre questões humanitárias.

Sem grandes expectativas

A primeira rodada de conversas, realizada mês passado em Genebra, terminou sem avanços concretos. Só o fato de que as negociações foram realizadas já foi considerado um pequeno sucesso. “Poderia ter sido pior”, opina o especialista em Oriente Médio Mohammad-Mahmoud Ould Mohamedou, do Centro para Política de Segurança (GCSP), think tank sediado em Genebra.

“O denominador comum nas conversações de Genebra era minúsculo. As posições são distantes demais umas das outras. Por um lado, temos um partido que quer eliminar o regime, que veio a Genebra para fortalecer sua própria posição e para, como ele próprio afirma, apagar Assad. Por outro lado, temos um regime que se nega a sequer embarcar nesta discussão”, ressalta Mohamedou.

Por isso, afirma o especialista, não é possível ter grandes expectativas de sucesso e progressos rápidos nas negociações. Analistas consideram como um resultado concreto da primeira rodada de negociações o fato de ambas as partes terem concordado que a declaração final de Genebra, de junho de 2012, seja base comum para novas discussões. O acordo prevê o fim da violência na Síria, um cessar-fogo e a formação de um governo de transição.

Enquanto a oposição quer iniciar logo as negociações para a formação de um governo de transição, o governo exige que a declaração final seja discutida ponto por ponto, começando pela questão da “violência”.

Adiamento

Os representantes de Assad em Genebra vão, como na última vez, querer usar esta palavra-chave para qualificar os representantes da oposição como terroristas e incitar o medo a jihadistas estrangeiros. Eles querem que a formação de um governo de transição seja um tema tratado mais tarde.

“O regime vai tentar adiar, adiar e adiar a discussão sobre este ponto”, considera Mohamedou. “Tenho profunda convicção que eles estão tentando ganhar tempo, a fim de ver o que eles podem tirar das negociações. Eles vão tentar influenciar o curso das negociações, de modo que quase nenhum espaço seja deixado para o tópico referente ao governo de transição. Mas a questão não vai desaparecer. Mais cedo ou mais tarde, ela vai aparecer de novo.”

Mohamedou considera estrategicamente certa a insistência da oposição em tratar da formação de um regime transitório. Ele lembra que o levante contra Assad tem suas raízes em protestos políticos não violentos, que começaram em março de 2011 na cidade de Daraa, no sul da Síria. “Não devemos esquecer que tudo começou como uma oposição pacífica a um governo autoritário”, adverte Mohamedou. “Temos que lembrar que se trata de um processo de transição democrática que, sem sombra de dúvidas, é possível.”

Emergência humanitária

O risco de um fracasso é considerado desta vez maior do que na primeira rodada, porque a reunião deve ir, se tudo correr bem, do nível simbólico para o nível de conteúdo. “Essas conversas estão entre as mais difíceis negociações internacionais nas últimas décadas”, avalia Mohamedou. “Elas podem se arrastar por semanas ou até meses.”

Em Homs, é possível se ver como é difícil alcançar algum resultado, por menor que ele seja. “E Homs é apenas a ponta do iceberg”, destaca Jens Laerke, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). “Quase um quarto de milhão de pessoas vivem em áreas sitiadas na Síria. Isso significa, essencialmente, que elas não têm acesso algum à ajuda humanitária.”

Segundo a lei internacional, o governo sírio é obrigado a permitir o acesso humanitário a todos os civis no país. Mas na prática, Damasco não cumpre esta obrigação. Mesmo que as Nações Unidas não comentem publicamente, o governo sírio é suspeito de usar o acesso de ajuda humanitária como arma de guerra e impedir remessas de ajuda a áreas controladas pelos rebeldes.

As organizações humanitárias da ONU arriscam sofrer mais restrições de acesso, caso venham a acusar abertamente o governo. Por isso, se limitam a emitir apelos. “É absolutamente necessário que tenhamos acesso aos 9,3 milhões de sírios que estão precisando de ajuda. Temos que chegar a todos eles”, destaca Laerke. “Atualmente, temos acesso a alguns. Mas estimamos em três milhões o número de sírios que se encontram em áreas de difícil acesso.” (Deutsche Welle)