Passando o bastão – A Espanha começou nesta terça-feira (3) os preparativos para a sucessão do rei Juan Carlos, em meio a protestos em dezenas de cidades exigindo um referendo para escolha entre monarquia e república. Após 39 anos de reinado, o rei, de 76 anos, surpreendeu ao anunciar na segunda-feira (2) sua abdicação em favor de seu filho Felipe de Borubon, de 46 anos, que deverá assumir o trono como Felipe 6º.
Embora o consenso geral seja de que o rei pode abdicar caso queira, a lei espanhola vigente não prevê a abdicação. A Constituição se refere a uma lei especial para tais casos, que nunca foi criada. Para solucionar a questão, o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, agendou para esta terça-feira uma reunião extraordinária com seu gabinete para aprovar um projeto regulamentando a sucessão, processo inédito desde a restauração da democracia na Espanha, em 1978.
Tramitação rápida
O texto deve ser enviado neste mesmo dia para votação no Parlamento, onde a Câmara dos Deputados e, em seguida, o Senado terão de aprová-lo por maioria absoluta. O projeto deve ter redação simples e curta e pedirá ao Parlamento que proclame Felipe como rei o mais rápido possível, possivelmente entre meados deste mês e o próximo, segundo fontes da Casa Real.
O rei e o príncipe herdeiro devem também aparecer juntos nesta terça-feira durante evento militar em San Lorenzo de El Escorial, nos arredores de Madri. Felipe sucederá o pai como chefe das Forças Armadas.
Horas depois do anúncio da abdicação, milhares de manifestantes se reuniram na noite de segunda-feira nas principais praças de dezenas de cidades espanholas, exigindo a realização de um referendo sobre a continuidade da monarquia, incluindo a opção pela república.
Movimento republicano é forte
Milhares lotaram a praça Puerta del Sol, em Madri, e policiais fecharam os acessos ao palácio real, a poucos metros da manifestação. “Amanhã a Espanha será uma república”, cantaram ativistas, portando placares pedindo o fim da monarquia e agitando a “bandeira tricolor” vermelha, amarela e roxa, da Segunda República Espanhola (1931 a 1939).
O movimento republicano continua forte na Espanha, onde a monarquia só foi restaurada em 1975, após a morte do general Francisco Franco, que governou o país numa ditadura que durou quatro décadas.
Juan Carlos ganhou amplo respeito por seu papel no processo de redemocratização pós-Franco, cujo ponto alto foi sua memorável aparição na televisão, em cadeia nacional, para deter uma tentativa de golpe militar em fevereiro de 1981.
Entretanto, muitos espanhóis ficaram irritados quando descobriram que o rei participou de um safári de luxo para caçar elefantes africanos em 2012, enquanto o país sofria uma crise que deixou desempregada uma em cada quatro pessoas.
Escândalo de corrupção
O ressentimento cresceu quando a filha mais velha do rei, Cristina, foi formalmente indiciada numa investigação judicial sobre práticas comerciais supostamente corruptas do marido, Inaki Urdangarin.
Uma sondagem feita pela empresa Sigma Dos, publicada em janeiro de 2014, apontou que o apoio ao rei caiu para 41%, enquanto o número daqueles que querem que ele abdique em favor de Felipe aumentou para 62%. A mesma pesquisa constatou que apenas 49% aprovam a monarquia.
Três pequenos partidos de esquerda, Podemos, Esquerda Unida e os ambientalistas do partido Equo, que conquistaram, juntos, 20% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu de 25 de maio, reivindicam um referendo sobre a monarquia.
Rajoy defende monarquia
Rajoy e o socialista Alfredo Pérez Rubalcaba, líder do principal partido de oposição, defenderam a monarquia nesta terça-feira. “A única coisa que não se pode fazer numa democracia é passar-se por cima da lei”, alertou Rajoy. Ele recordou que a Constituição espanhola prevê a monarquia como forma de governo e acrescentou que, “quem quiser, pode incentivar uma troca de regime, mas com as regras estabelecidas pela Constituição”.
O presidente do Partido Socialista (PSOE), Alfredo Pérez Rubalcaba, também se disse a favor da continuidade da monarquia, apesar das “profundas raízes republicanas” da história de sua agremiação. Rubalcaba destacou que o PSOE participou do pacto constitucional que definiu a monarquia como forma de governo, durante a transição da ditadura para a democracia. “Ela permitiu 35 anos de desenvolvimento político marcados pelo consenso, a convivência e o civismo”. O político, entretanto, ressaltou que os protestos “são uma forma de expressão que estão dentro do funcionamento normal de uma democracia”. (Com agências internacionais)