(*) Rizzatto Nunes –
Caro leitor, nesta coluna escrevo sobre capitalismo e consumo. Mas hoje não posso deixar de fazer um comentário sobre o assunto mais importante dos últimos dias: democracia, liberdade de expressão e política, que, de todo modo, estão ligadas ao nosso regime capitalista.
Conforme já escrevi por aqui, nos dias que envolveram os movimentos populares de junho de 2013, em meio às manifestações de rua que reivindicavam um país melhor, a palavra “alvissareiro” podia ser vista pipocando aqui e ali. Como se sabe, como adjetivo, ela anuncia boas novas, o que é auspicioso, promissor. Enfim, é algo que promete um futuro melhor. Enche-nos de esperança.
Bem. No fim de semana passado, a palavra me surgiu à mente de novo, por motivos óbvios. Com o tamanho das manifestações por todo o país, parece ser impossível ignorar o “grito das ruas”. Alvíssaras!
Meu amigo Outrem Ego, sempre otimista, mas, como ele diz, também realista, disse-me que não gostaria de ser estraga prazeres, mas que havia lembrado de nosso querido e famoso jurista Ruy Barbosa. Mais precisamente, do discurso por ele proferido no Senado Federal em 1914.
Localizemos um pouco: naquele ano, realizou-se uma eleição presidencial direta. Votavam os homens com mais de 21 anos de idade e desde que não fossem analfabetos, religiosos ou militares. Estávamos, então, em plena República Velha, que durou de 1889 até 1930 e vivia-se a política do café com leite. Esta, que era imposta pelas oligarquias paulista e mineira, e que conseguiu eleger presidentes civis influenciados pelo setor agrário dos estados de São Paulo, com sua grande produção de café e Minas Gerais, grande produtor de leite.
Tornavam-se predominantes no poder representantes do Partido Republicano Paulista (PRP), e do Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam as eleições e gozavam do apoio da elite agrária de outros Estados do Brasil. Eles articularam alianças para fazer prevalecer seus interesses e se revezarem na Presidência da República.
Para a eleição presidencial de 1914, todos os maiores partidos do país (PRP, PRM ,PRR- Partido Republicano Rio-grandense e PRF-Partido Republicano Fluminense) apoiaram um único candidato, o da chapa Venceslau Brás–Urbano Santos. Ruy, que lançara sua candidatura pelo Partido Republicano Liberal (PRL) na chapa junto de Alfredo Ellis, não a registrou oficialmente e, vendo que não teria chance, renunciou à candidatura em dezembro de 1913, quando fez o chamado “Manifesto à Nação” (Mesmo assim, sem estar registrado, obteve 47.782 votos – 8,22% dos votos).
Isso tudo parece muito antigo e ligado a um panorama ultrapassado, afinal remonta ao início do século XX. Mas, deixemos que o Senador Ruy Barbosa diga o que pensava, no pronunciamento que fez no Senado Federal em 1914.
“A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.”
“A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.”
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
Uma vez lembrei aqui nesta coluna que dizem que o Brasil é o país do futuro. Os pessimistas analisam a frase dizendo que acreditar nela é manter o país estagnado, pois como o futuro não existe, fica-se apenas esperando ele chegar sem nada fazer. Os otimistas, de outro lado, dizem que ela impulsiona a imaginação, ajudando o país a ir para a frente em busca de algo melhor. Os sinais apontam às vezes numa direção, às vezes n’outra. Neste momento, vivemos tempos alvissareiros (ou não?). O futuro dirá!
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.