Sítio de Atibaia: após depoimento de Marcelo e Emílio Odebrecht, salvação de Lula é a Constituição

Quando Lula foi arrastado ao folho do furacão em que se transformou a Operação Lava-Jato, o UCHO.INFO afirmou que o maior problema no árduo e tortuoso caminho a ser percorrido pelo petista seria o escândalo envolvendo o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no interior de São Paulo, em razão do grau de comprometimento do conjunto probatório.

Se no caso do apartamento triplex do Guarujá, no litoral paulista, que levou o ex-presidente à prisão, as provas permitiram aos advogados algum contorcionismo para tentar evitar o pior, em relação ao sítio a situação é muito pior, pois negar o inegável é impossível, mesmo Lula tendo experimentado durante algum tempo o chamado efeito “teflon”.

Além do cipoal de provas no escopo do imbróglio do sítio, capítulos desse enredo não deixam dúvidas a respeito dos crimes cometidos pelos protagonistas de mais uma ópera criminosa. Mesmo considerando que no Direito o ônus da prova caiba a quem acusa, é difícil compreender as razões que levaram duas das maiores empreiteiras do País a reformar uma reles propriedade rural destinada a encontros de finais de semana, com direito a pedalinhos e barco de alumínio, estacionados em um lago repleto de carpas e margado por um campinho de futebol e outros badulaques. Ou seja, foi troca de favores espúrios e nada mais.

Enquanto Lula e seus defensores apostavam em teorias jurídicas para tentar escapar de nova condenação, Marcelo Odebrecht, Emílio Odebrecht e Alexandrino Alencar decidiram não deixar pedra sobre pedra, apesar de o mister da empreiteira não ser a demolição. Porém, como a empreiteira baiana selou acordo coletivo de delação premiada com a força-tarefa da Lava-Jato, de agora em diante o compromisso é soltar a voz.

Nesta quarta-feira (7), em Curitiba, o trio foi ouvido pela juíza substituta da 13ª Vara Federal da capital paranaense, Gabriela Hardt, e confirmou que a empreiteira bancou a obra no sítio de Atibaia.

Ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht afirmou à juíza que a obra na propriedade de Atibaia foi a primeira destinada “à pessoa física de Lula”. “Seria a primeira vez que a gente estaria fazendo uma coisa pessoal para presidente Lula. Até então, por exemplo, tinha tido o caso do terreno do instituto, bem ou mal, era para o Instituto Lula, não era pra pessoa física dele.”

Marcelo declarou em seu depoimento que só tomou conhecimento da reforma quando a obra já estava em andamento. E ressaltou que de início resistiu à ideia, pois temia que a participação da empresa na obra fosse descoberta, principalmente pelo número de funcionários envolvidos e pela dificuldade de controlar as informações.

Após ser convencido pela cúpula da empreiteira a aceitar a obra, Marcelo Odebrecht decidiu que os valores gastos na reforma seriam descontados da conta de propinas “Italiano”, gerenciada pelo ex-ministro Antonio Palocci Filho, preso na Operação Lava-Jato e aguardando a homologação de acordo de delação premiada para reconquistar a liberdade, mesmo que vigiada.

“Eu até combinei com o Palocci. Vamos fazer aqui um débito na planilha italiano de R$ 15 milhões, eu e você, que é para atender esses pedidos que nem eu e você ficamos sabendo que Lula e meu pai acertam”, declarou Marcelo Odebrecht.


Ex-diretor da Odebrecht, Alexandrino Alencar, por sua vez, disse em depoimento que a obra no sítio foi solicitada pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, que queria presentear o marido. Ou seja, a família Lula da Silva não se importava com a origem dos recursos para o presente, desde que fosse possível presentear.

Alencar ressaltou que em seguida repassou o pedido da ex-primeira-dama a Emílio Odebrecht, que imediatamente autorizou a reforma. “Emílio disse: não, lógico. Eu acho que nós temos uma retribuição a isso, a tudo que o presidente fez pela organização”. Fosse esse um enredo criminoso passado na Itália, nove entre dez pessoas diriam se tratar de um caso de mafiosos. Por sorte não é, pois há uma pitada da fleuma soteropolitana, mesmo todos os envolvidos sendo ligeiros.

Sem aviltar a célebre frase do ex-governador Bahia, Otávio Mangabeira, que certa feita disse “pense num absurdo, na Bahia há precedente”, Emílio Odebrecht, o patriarca, que também prestou depoimento, afirmou que autorizou a reforma no sítio, por causa da relação que mantinha com o petista, classificada como “ativo intangível que não tem preço”.

“Os intangíveis que o presidente Lula sempre teve com a minha pessoa e naturalmente com a organização, de eu poder ter oportunidade de dialogar com ele, de influenciar sobre o que nós achávamos que era importante para o Brasil”, disse Emílio.

Nesse enxadrismo bandoleiro, a situação de Lula ficou ainda pior, como antecipamos. Contudo, se o ex-metalúrgico alimenta a esperança de um dia sentir novamente o perfume da liberdade, o melhor a fazer é assumir o erro e contar à Justiça alguma novidade no escopo dessa epopeia.

Tomando por base o fato de que Palocci, o tal “Italiano”, revelou tudo e mais um pouco sobre a roubalheira, Lula pode ter ficado em beco sem saída. A tábua de salvação que lhe resta é a retomada da discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância, algo que deverá ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF) após março do próximo ano.

Gostem ou não os antipetistas, a Constituição Federal é clara ao garantir em seu artigo 5º, inciso LVII, a presunção de inocência – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E por se tratar de cláusula pétrea, não cabem mudanças no texto constitucional, bamboleios interpretativos da Carta e rapapés jurídicos. Em suma, ou cumpre-se a lei ou atenta-se contra o Estado de Direito.