Emoldurada pela censura, crise institucional causa danos à democracia e só interessa aos golpistas

O caso envolvendo a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a retirada do ar de matérias jornalísticas do site “O Antagonista” e da revista eletrônica “Crusoé”, é altamente danoso à democracia. Todos perdem, sem exceção, mas cada um quer ter razão onde sequer uma nesga de razão existe. Enquanto essa guerra expõe o suposto poderio das partes envolvidas, quem pode lucrar com a crise institucional aguarda o momento propício para o bote.

Que ninguém se deixe levar pela falsa ideia de que a supressão da liberdade moralizará o País, pois essa receita não deu certo no passado, tampouco funcionará no presente. O momento atual exige doses extras de parcimônia para preservar a democracia e o Estado Direito, que vem sendo continuamente aviltado. Ao contrário, o que se vê é um ajuntamento de ânimos inflamados em busca de soluções radicais que perpassam o bom senso.

Há diferença brutal entre uma reportagem de cunho jornalístico-investigativo e uma denúncia que para na própria prova. Os veículos midiáticos em questão têm o direito constitucional à livre manifestação, do mesmo modo que é condenável a censura imposta pelo STF. Afirmar que o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, teria recebido do grupo empresarial Odebrecht o codinome “amigo do amigo de meu pai” torna-se algo pequeno quando não há denúncia para complementar o fato. A palavra de um criminoso como Marcelo Odebrecht não merece, de chofre, tanto crédito.

Ademais, não se pode avançar em termos jornalísticos com a afirmação de que Toffoli é acusado de corrupção, pois não há no esclarecimento de Marcelo Odebrecht à Polícia Federal qualquer menção a eventuais ilícitos cometidos pelo então advogado-geral da União. E se isso ocorreu, ou o delator foi omisso em sua explicação ou o documento não revelou o esclarecimento em sua inteireza.


Como sempre afirmamos em nossas matérias, ao UCHO.INFO não cabe defender corruptos, ativos ou passivos, autoridades ou não, mas, sim, defender direitos e o respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Repudiamos qualquer ato de censura, pois a democracia depende também da liberdade de imprensa. Além disso, a legislação brasileira prevê punições para quem exceder na seara jornalística, ou fora dela, inclusive com direito a indenizações.

É preciso respeitar o ordenamento jurídico para que a vida em sociedade siga o curso da normalidade legal. Se o objeto do esclarecimento prestado por Marcelo Odebrecht era o ministro Dias Toffoli, o procedimento deveria ser requisitado pela Procuradoria-geral da República, uma vez que presidente do STF goza de foro especial por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado. Muito estranhamente, o pedido de esclarecimento partiu da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, que, não é de hoje, vive às turras com o Supremo. E o tal esclarecimento acabou em autos processuais da Polícia Federal, onde permaneceu por alguns escassos dias.

O esclarecimento prestado por Marcelo Odebrecht, o criminoso transformado em santo por conta de um acordo de colaboração premiada, foi misteriosamente desentranhado dos autos, o que, em termos técnicos, dá ao documento que embasou a reportagem o status de inexistente. Não se trata de duvidar da existência do documento, mas no âmbito jurídico deixou de existir.

O mais interessante nessa ópera bufa é que um e-mail enviado por Marcelo Odebrecht a ex-executivos da companhia, que deveria ter feito parte da negociação do acordo de delação coletiva da Odebrecht, só ganhou relevância cinco anos após a deflagração da Lava-Jato. Além disso, o esclarecimento de Odebrecht foi prestado no último dia 3 de abril e desentranhado do processo em 12 de abril. Quem foi o responsável pelo pedido de desentranhamento do documento que continha o esclarecimento? E por qual motivo isso aconteceu? Por que a PGR não foi informada sobre o procedimento?

Nessa guerra subterrânea entre os Poderes constituídos há muitas questões que clamam esclarecimentos, mas ninguém está disposto a revelar a verdade. Quem está por trás dessa criminosa operação já se sabe, mas é preciso que os incautos animados com o embate estejam cientes de que o resultado, seja qual for, será sempre negativo, mesmo que positivo pareça. O tempo, como sempre, surgirá em cena como senhor da razão.