Censura é censura e não tem explicação que convença ou justifique uma decisão que remete ao mais obscuro período da história nacional. Sendo assim, a liberdade de imprensa deve ser defendida com força e convicção, mas é preciso que o exercício do jornalismo não caia na vala do questionamento a torto e a direito apenas pelo fato de uma parcela da sociedade estar interessada no revanchismo a qualquer custo.
Fala-se em Estado de Direito com muita facilidade, como se fosse reza decorada, mas ninguém sabe ao certo o significado dessa parelha vernacular que dá guarida à democracia no âmbito jurídico. Disse certa feita o saudoso e sempre bem-humorado Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Na verdade, democracia é quando o pau que bate em Chico, bate em Francisco.
A Constituição é clara ao garantir o direito à livre manifestação do pensamento, mas é necessário que isso ocorra com a devida responsabilidade, especialmente quando o direito é exercido por formadores de opinião.
O introito serve para fazer referência à desastrada decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de impor censura ao site “O Antagonista” e à revista digital “Crusoé”, determinando a retirada do ar de matéria que menciona o presidente da Corte, Dias Toffoli.
Que nos perdoem os jornalistas de ambas as publicações, merecedores do devido respeito, mas o e-mail de Marcelo Odebrecht e o esclarecimento do empresário sobre o codinome “amigo do amigo de meu pai” não justificam a ênfase dada à reportagem em questão. Do mesmo modo é importante reconhecer que o STF, ao aceitar a isca lançada, caiu na armadilha criada pela própria Corte. A quem interessa o esfarelamento institucional que aí está?
O UCHO.INFO não tem a pretensão de ensinar quem quer que seja a fazer jornalismo, mesmo que o editor já tenha ajudado a formar muitos profissionais que hoje atuam no mercado, mas reuniões de pauta servem também para avaliar materiais e informações que eventualmente respaldarão reportagens. Em termos de relevância, o e-mail que transformou-se em pomo da discórdia é inversamente proporcional ao escândalo que se formou ao longo dos últimos dias.
Provas como o e-mail objeto da balburdia o UCHO.INFO tem em grande quantidade, obviamente arquivadas em local seguro, mas nada que justifique uma matéria de jornalismo investigativo capaz de sacudir o País. Se o esclarecimento de Marcelo Odebrecht tivesse acompanhado da informação (declaração, talvez) de que a empreiteira baiana pagara a Toffoli alguma quantia para facilitar as obras na Usina de Belo Monte, com certeza o cenário da denúncia seria outro. Considerando o que foi divulgado até o momento, nada disso existiu. E se aconteceu, o assunto foi omitido por Marcelo ou suprimido do documento que anexado aos autos. O que não parece factível.
Todo esse espetáculo decadente que atenta contra a democracia em todos os seus ângulos mostra que, por apostar no revanchismo e no justiçamento, a sociedade não se importa em fazer juízo de valor de maneira antecipada. No caso específico, Dias Toffoli passou de alvo de uma matéria jornalística, eivada pelo entusiasmo de seus autores, à condição de acusado de corrupção. Não nos cabe defender Toffoli ou qualquer autoridade, mas é preciso cautela ao denunciar ou até mesmo ao se fazer insinuações com contornos de denúncia.
Tomando por base o difícil momento que o País atravessa, o que menos interessa aos brasileiros é a fermentação de uma crise institucional perigosa e preocupante, que, ao se alongar, abre caminho para açoites à democracia e ao Estado de Direito. Ato contínuo, os obcecados pelo golpismo já começam a se movimentar. O que é perigoso.
Se a opinião pública comporta-se como se estivesse no Coliseu, à espera de sangue jorrando pelas jugulares, aos jornalistas cabe a responsabilidade de conduzir o espetáculo como se estivessem regendo uma orquestra, mesmo que ao som de réquiem.