Intenção de Janot de assassinar Gilmar Mendes compromete o MPF e confirma radicalização do País

Atravessando momento preocupante, o Brasil talvez esteja diante de uma rara oportunidade de se reinventar, sempre preservando a democracia, no mais amplo sentido da palavra, e mantendo intacto o Estado Democrático de Direito. Diferentemente do que afirmam os mais afoitos e raivosos, defender a democracia não significa endossar desmandos e apoiar corruptos, mas cobrar das autoridades equilíbrio e isonomia na condução da coisa pública.

Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de se priorizar a sequencialidade no tocante à apresentação das alegações finais em ações penais, a quinta-feira (26) foi sacudida pela declaração de Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, que em entrevista revelou sua disposição de assassinar o ministro Gilmar Mendes, em 11 de maio de 2017, nas dependências da Corte.

“Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, disse Janot em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” e à revista Veja.

Considerando que o Ministério Público Federal está na berlinda por conta do conteúdo das mensagens nada republicanas trocadas entre o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, e o então juiz Sérgio Moro, e divulgadas pelo site The Intercept Brasil, a afirmação do ex-chefe da PGR tem efeito demolidor, talvez implosivo.

Não é de hoje que se fala sobre a “ditadura do MP”, algo que ainda precisa ser comprovado com largueza e assertividade, mas necessário faz-se compreender o papel do Ministério Público, que por sua vez deve ser comedido no exercício de suas atribuições, sem se entregar à frouxidão diante da lei, porém defendendo os interesses da sociedade de maneira contínua. Isso pressupõe que o MP também não pode ultrapassar as fronteiras da legalidade, mesmo que em nome do combate ao crime.

A decisão de Janot de assassinar o ministro do Supremo, fato não consumado, se deu na esteira de uma arguição de suspeição de Gilmar Mendes, que na opinião do então procurador-geral não tinha condições de julgar caso envolvendo Eike Batista, uma vez que a esposa do magistrado, Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, sócia do escritório Sérgio Bermudes Advogados, representava os interesses do empresário mineiro nas áreas empresarial, comercial e trabalhista.

Mendes, por sua vez, reagiu à investida de Janot afirmando que a filha do então procurador, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, advogava para a empreiteira OAS em processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Não custa ressaltar que a OAS é uma das empreiteiras que estiveram na proa do maior esquema de corrupção de todos os tempos, o Petrolão, e que o caso esteve sob a espada da PGR.

Sabem os leitores que o UCHO.INFO sempre defendeu que autoridades devem se declarar impedidas de tomar decisões, desde que tenham algum envolvimento, direto ou indireto, mesmo que superficial, com uma das partes no processo. É bom lembrar que cobramos a declaração de impedimento dos ministros Dias Toffoli, no caso do Mensalão do PT, e de Gilmar Mendes, no escândalo envolvendo o empresário Jacob Barata Filho, de cuja filha o último é padrinho de casamento.

Não se trata de questionar a isenção e a honestidade dos magistrados no momento de tomada de decisões, mas em nome da democracia é melhor pecar por excesso, o que não deixa dúvidas acerca da transparência que deve ser constante no âmbito do exercício da função de cada autoridade.


Se Rodrigo Janot entendeu por bem arguir a suspeição do ministro do STF, deveria de igual modo aceitar, com a devida parcimônia, a reação de Mendes, o que não coloca em xeque a idoneidade profissional da filha do então procurador-geral. Em suma, no caso em questão deveria prevalecer o velho dito popular “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”.

Que animosidades conceituais existem no campo que contrapõe o ente acusador e o ente julgador todos sabem, mas o País precisa no momento – e sempre precisará – doses extras de equilíbrio, bom senso e responsabilidade por parte de todos os envolvidos em um projeto de nação, em especial daqueles que representam o Estado, sem que o radicalismo prevaleça sobre o Estado de Direito e, ato contínuo, ameace a democracia.

Se um procurador-geral da República, cargo máximo do Ministério Público, reage de maneira impensada e visceral diante do contraditório, não é errado questionar as decisões tomadas por Rodrigo Janot enquanto esteve à frente da PGR. Há de se diferenciar a necessidade de o MP ser vigilante o tempo todo da reação colérica e vingativa que quase avançou sobre as raias da criminalidade. Ademais, se Janot, ao que parece, não tem estrutura para recepcionar o contraditório, talvez ele tenha escolhido o ofício errado.

Ao ministro Gilmar Mendes é devido o direito de reagir ao fato ora revelado da maneira que lhe convier, mas de um integrante da mais alta instância do Judiciário espera-se parcimônia, sob pena de assim não fazendo acabar escorregando no limbo que trincou o “verniz” de Janot.

O ministro do STF, exercendo seu direito, reagiu ao fato, por meio de nota, alegando que lamenta a confissão do ex-procurador-geral, a quem sugere tratamento psiquiátrico, não sem antes abusar de algumas provocações desnecessárias que alimentarão ainda mais a fogueira que separa o Supremo e o MPF.

Confira abaixo a íntegra da nota divulgada pelo ministro Gilmar Mendes:

“Dadas as palavras de um ex-procurador-geral da República, nada mais me resta além de lamentar o fato de que, por um bom tempo, uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas, destacando que a eventual intenção suicida, no caso, buscava apenas o livramento da pena que adviria do gesto tresloucado. Até o ato contra si mesmo seria motivado por oportunismo e covardia.

O combate à corrupção no Brasil — justo, necessário e urgente — tornou-se refém de fanáticos que nunca esconderam que também tinham um projeto de poder. Dentro do que é cabível a um ministro do STF, procurei evidenciar tais desvios. E continuarei a fazê-lo em defesa da Constituição e do devido processo legal.

Confesso que estou algo surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer.

Se a divergência com um ministro do Supremo o expôs a tais tentações tresloucadas, imagino como conduziu ações penais de pessoas que ministros do Supremo não eram. Afinal, certamente não tem medo de assassinar reputações quem confessa a intenção de assassinar um membro da corte constitucional do país.

Recomendo que procure ajuda psiquiátrica. Continuaremos a defender a Constituição e o devido processo legal.

Acho que nada precisa ser acrescentado.”