Líder da oposição boliviana pediu ajuda ao Brasil para barrar Evo Morales; pedido fere a Constituição

Ao ser empossado na Presidência da República, em 1º de janeiro deste ano, Jair Bolsonaro prometeu cumprir a Constituição Federal vigente, mas ao longo dos últimos 314 dias não foi exatamente isso que aconteceu, pelo contrário. Afinal, Bolsonaro vem desrespeitando a Carta Magna, como se a principal lei do País nada representasse.

Em seu artigo 4º, a Constituição é clara ao definir que o Brasil não exercerá papel de ingerência em questões relacionadas a outros países. Mesmo assim, Bolsonaro, que já tentou convencer a opinião pública que o melhor seria invadir militarmente a Venezuela, agora se vê às voltas com uma declaração do líder da oposição boliviana, Luís Fernando Camacho.

Art. 4 – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político.

Camacho pediu ao governo brasileiro, em maio passado, para que o agora ex-presidente Evo Morales fosse impedido de concorrer à reeleição, na esteira de nova alteração do texto constitucional do país sul-americano. De acordo com o oposicionista boliviano, o pedido foi feito diretamente ao ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que tem demonstrado inequívoca incompetência para o cargo.

Em vídeo divulgado em maio nas redes sociais, Luís Fernando Camacho afirma ter pedido a Araújo que consultasse Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o tema, sob o argumento de que a tentativa de reeleição de Morales seria inconstitucional.

“Tivemos o compromisso do chanceler [Ernesto Araújo] de realizar a consulta e que se realize a mesma para que tenhamos resposta antes do processo eleitoral”, afirmou Camacho no vídeo. O ministro Ernesto Araújo não poderia, com base na Constituição brasileira, assumir qualquer compromisso nesse sentido, pois viola o que estabelece a Carta Magna.

Procurado, o Itamaraty informou que a citada audiência, ocorrida no dia 2 de maio, era com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que estava acompanhada de Camacho e um grupo de parlamentares bolivianos. A reunião segundo o Ministério de Relações Exteriores, serviu para “tratar de temas de interesse para as relações bilaterais”. O Itamaraty informou que Camacho não reuniu-se com Araújo ou teve qualquer conversa específica o chanceler brasileiro.

Carla Zambelli, por sua vez, declarou que os deputados e senadores bolivianos entregaram carta solicitado ao Brasil posicionamento contra a candidatura de Evo Morales à reeleição. Uma cópia do documento também foi deixada no Palácio do Planalto.


“O governo não deu resposta sobre essa carta. Essa solicitação foi deixada, mas o governo não agiu, até onde eu sei. Foi uma tentativa. Tanto é que o pedido era para que a reeleição nem acontecesse, que Evo Morales não tivesse o nome entre os concorrentes, porque a reeleição dele era inconstitucional. Já era a terceira reeleição dele, sendo que a Constituição da Bolívia é igual à do Brasil, só podia uma reeleição”, disse a parlamentar.

Exatos dois meses antes da renúncia de Morales, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) apresentou requerimento à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), da qual é presidente, para a realização de audiência pública sobre o protocolo de adesão da Bolívia ao Mercosul.

No requerimento, protocolado em 10 de setembro, Eduardo Bolsonaro e Marcel Van Hattem (Novo) propõem convites a cinco representantes da Bolívia para participarem da audiência. Coincidência ou não, todos os convidados pela Comissão faziam oposição ao governo de Evo Morales.

A lista é encabeçada precisamente pelo “professor e advogado” Luis Fernando Camacho. Camacho é presidente do fascista Comité Cívico pro Santa Cruz e é considerado o líder civil do violento golpe contra o governo de Evo Morales na Bolívia. Enquanto a polícia e o exército promovem uma caçada a Evo Morales em Cochabamba, Luis Fernando Camacho se esgoela na capital: “pegarão ele! Justiça!”.

Além do convite a Camacho, presidente do radicalíssimo partido “Comité Cívico pro Santa Cruz”, Eduardo Bolsonaro aprovou também convites a Primitivo Montaño (líder indígena boliviano que foi dirigente provincial do MAS, mas tornou-se inimigo figadal de Morales), à “ativista social” María Anelin Suárez (apresenta-se nas redes sociais como “ativista política internacional contra as políticas de esquerda”) e a David Sejas Lopez, boliviano “exilado” no Brasil (ex-dirigente da não menos radical Unión Juvenil Cruceñista e antecessor de Camacho na presidência do partido citado acima).

Por certo há um perigoso desencontro de declarações, mas faz-se necessário ressaltar que Luís Fernando Camacho jamais anunciaria publicamente ter pedido ao governo brasileiro para consultar a OEA, caso isso não tivesse ocorrido. Trata-se de uma questão de bom senso e de dar contorno de veracidade ao movimento que culminou com a renúncia de Morales.

Como mencionado anteriormente, é prematuro afirmar que o pedido de Camacho foi levado adiante, mas não se pode ignorar o fiasco em que se transformou a diplomacia brasileira. A falta de preparo de Ernesto Araújo e seu ranço ideológico poderão colocar o Brasil em situação de dificuldade.

Quem conhece minimamente sobre política internacional sabe que a Bolívia, mesmo sob o comando do esquerdista Morales, não representava qualquer ameaça à porção do continente americano. Aliás, sob a batuta do líder dos plantadores de coca a Bolívia cresceu economicamente e vinha mantendo ritmo de crescimento que destoava dos apresentados pelos demais países da região.

Além disso, uma instabilidade política na Bolívia, assim como ocorre no Chile, não é bom quando o assunto é investimentos internacionais. Isso porque a possibilidade de o descontentamento da que chacoalha alguns países sul-americanos ultrapassar fronteiras e contaminar outras nações é grande, especialmente porque há na região uma acirrada polarização entre esquerda e direita.