Senadores atropelam a Constituição e propõem PEC que libera envio de dados sem autorização judicial

Na política tudo tem um porquê, nada acontece por acaso. Imaginar que os atores da política brasileira são movidos apenas e tão somente por boas intenções é querer ser enganado o tempo todo. No momento, a ordem do dia é atropelar a Constituição Federal para fomentar o revanchismo ideológico e o populismo barato. Essa ementa não deve mudar tão cedo, pois a sanha pela polarização não arrefece.

Não é de hoje que o UCHO.INFO afirma que se a classe política e a opinião pública estão desapontadas com a Carta Magna, que uma Assembleia Constituinte seja convocada para a feitura de novo texto constitucional, o qual deve aplacar os anseios de uma sociedade míope em relação a direitos e garantias.

Há quem diga que defender uma nova Constituição representa configura à Carta vigente e ao Estado de Direito, mas é preciso pragmatismo diante dos fatos. Embalados pelo oportunismo, alguns profissionais de imprensa condenam a possibilidade uma nova Constituinte, mas defendem, mesmo que a reboque do silêncio, o desrespeito recorrente à Constituição em vigor.

Faltando menos de 24 horas para que o Supremo Tribunal Federal (STF) inicie o julgamento que decidirá sobre o repasse a órgãos de investigação de dados sigilosos do antigo Coaf (rebatizado com o nome de Unidade de Inteligência Financeira – UIF) sem a devida autorização judicial, um grupo de senadores movimenta-se para emplacar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a divulgação de informações fiscais e bancárias de pessoas físicas e jurídicas, sem a interveniência da Justiça.

O que os senadores tentam levar adiante é uma proposta que empurrará ainda mais o Brasil na seara da “terra sem lei”, já que busca-se oficializar o desrespeito a cláusulas pétreas da Constituição, como se isso fosse possível no Estado de Direito.


“Cremos ser papel do Parlamento se antecipar ao STF para trazer luzes à controvérsia”, afirmam os senadores no texto de justificativa da PEC. Alguns desses parlamentares integram o movimento Muda Senado, grupo que tem como objetivos principais o impeachment de ministros do STF e a CPI da Lava-Toga. Não se pode ignorar o fato de que a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito exige, de chofre, um fato determinado. Não se cria uma CPI com base em especulações e notícias mentirosas compartilhadas nas redes sociais.

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a senadora Simone Tebet parece não compreender o significado de cláusula pétrea. “Se o Supremo entender que os compartilhamentos de informações pelos órgãos de controle não podem ser feitos sem autorização judicial. Então nós vemos de que forma podemos aproveitar o projeto do senador Marcos do Val e adequar a um texto que possa garantir a possibilidade, através de lei – e quem faz lei é o Legislativo, não é o Judiciário”, disse a parlamentar ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

A Constituição de 1988 é clara ao determinar em seu artigo 5º, inciso XII, que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Considerando que o assunto em questão está abrigado em cláusula pétrea, não cabe nesse caso qualquer devaneio interpretativo ou tentativa de mudança do texto constitucional, mesmo que através de PEC. Na esteira do populismo, políticos tentam a todo custo jogar para a plateia, que continua portando-se com extrema ignorância diante da lei máxima do País. Compreender a Constituição não requer cursos especializados, mas apenas capacidade mínima para interpretar textos.

No caso de a PEC sugerida avançar no Congresso e ser aprovada, é certo que o assunto acabará no STF na esteira de arguição de inconstitucionalidade. Há dias, o ex-ministro Ayres Britto (STF) chamou a atenção ao afirmar que é preciso cuidado com o que ele classificou como “constituicidas”, os que desejam assassinar a Carta Magna.