Da morte de um engenheiro ao assassinato de uma história empresarial de sucesso

semenge_01Hora da verdade – Uma imagem vale mais do que mil palavras. Eis a máxima que há séculos roda o planeta, pregando a tese de que em muitos casos uma imagem fala não apenas por si só, mas por muitas outras coisas. A imagem em destaque, chocante, é verdade, serviu como ponto de partida de uma série jornalística do ucho.info sobre a cegueira da Justiça brasileira, mentirosa e cantada em todos os rincões da nação.

Quem para diante dessa imagem sequer imagina o que há por trás da dor descomunal e inenarrável de uma mãe que segura de forma acalentadora em seu colo o filho que momentos antes fora assassinado. A foto ganhou prêmio de jornalismo e retrata uma mãe inconsolada, Norma Drumond, sentada em uma calçada da região central do Rio de Janeiro e tendo ao colo o corpo ensanguentado e já sem vida do próprio filho.

Foi a partir desse crime que descerrou-se a cortina de uma relação nada cordial entre sócios de uma empresa, que à época frequentava a lista das maiores empreiteiras do País.

Engenheiro e administrando a participação acionária da família na Semenge S.A. Engenharia e Construtora, Leonardo Tamm Drumond trabalhava na empresa de engenharia, que na ocasião dos fatos mantinha inúmeros contratos com órgãos públicos e governos. Ou seja, uma companhia viável econômica e financeiramente.

Em 28 de agosto de 2006, após deixar o escritório onde funcionava a sede da empresa, no centro da capital fluminense, Leonardo Drumond foi surpreendido por um pistoleiro e covardemente assassinado na Rua Visconde de Inhaúma. Acusado de ser o executor da barbárie, o vigilante Omar Alves de Paiva foi absolvido pela Justiça dos crimes que lhe eram imputados: furto e homicídio qualificado.

Quando este site usa a expressão “pistoleiro”, o faz por conta de alguns detalhes que envolveram o crime, mas que a investigação parece não ter dado a devida importância. O autor do crime não apenas esperou pela vítima, como esbanjou excesso de tranquilidade ao tomar um chope em um bar a poucos metros do local do assassinato. Outro detalhe que reforça a tese de crime encomendado é o fato de que nada foi roubado de Leonardo Drumond, exceto uma pasta que continha apenas uma agenda. Ou seja, quem contratou o assassino sabia da rotina do engenheiro e informou ao criminoso o que deveria ser levado.

Nada supera a dor de uma mãe que perde um filho da forma trágica e covarde como ocorreu com Leonardo Drumond, mas é preciso que a sociedade brasileira tome ciência do que ocorre por trás da cena que chocou o Brasil ao repetir a famosa escultura “Pietá”, de Michelangelo, representando Jesus morto nos braços da Virgem Maria.

Nos bastidores da disputa que envolve a Semenge há um ziguezaguear de interposições de recursos e ações, de parte a parte, na Justiça do Rio e de São Paulo, onde a empresa matinha seus escritórios. Na esteira dessa queda de braços surgiu um enxadrismo empresarial que levou a Semenge a um impasse. Considerando os contratos que a empreiteira mantinha à época, não é difícil imaginar os desdobramentos dessa pendenga que se arrasta há alguns anos.

Administração e recuperação judiciais

O imbróglio que se abateu sobre a Semenge levou a empresa a um processo de administração judicial instaurado pelo Judiciário paulista, medida prevista na Lei de Falências e que não circula com desenvoltura na passarela cotidiano da opinião pública, mas é algo corriqueiro quando entram em cena as dificuldades inerentes ao mundo dos negócios.

Administração judicial, é necessário destacar, não significa que determinada empresa foi à bancarrota, ao contrário, é um instrumento legal para evitar que isso ocorra. Diferentemente do que imaginam os que desconhecem o caso em suas minúcias, a Semenge, à época da determinação do início da intervenção do Judiciário e o afastamento da sua diretoria, era uma empresa superavitária que adentrou ao redemoinho das dificuldades por conta da intransigência de uma parte minoritária dos seus acionistas.

Em um dos vértices desse cabo de guerra, para o qual a Justiça parece não ter olhos, estão o empresário Sebastião Cantídio Drumond (pai de Leonardo Drumond), sua esposa e filhas, que lutam para que prevaleça o bom senso no Judiciário, colocando fim a uma questão marcada não apenas pela dor imensurável de uma família, mas pela destruição paulatina de uma história de sucesso no universo do empreendedorismo nacional.

A decisão de adotar a administração judicial é tomada pelo juiz da Vara onde corre o respectivo processo, mas é nesse exato ponto que podem surgir os problemas que atrapalham o que supostamente deveria ser uma solução.

Os esqueletos de uma legislação misteriosa

Supostamente capacitado para a missão que lhe é entregue e gozando da confiança de determinado magistrado, o administrador judicial nem sempre corresponde às expectativas, assim como muitas vezes deixa de zelar pela imagem da Justiça.

Sua ascensão ao cargo significa, pelo menos na teoria, que decisões não serão tomadas a esmo, mas seguindo a lógica da administração, todas com a devida anuência dos acionistas da empresa que é alvo da medida e, por fim, sempre com autorização do próprio magistrado. Mas aqui e acolá muitos fatos não trilham o caminho da coerência.

Nas coxias das dificuldades empresariais há um serpentário que muitos desconhecem. Considerando que para toda regra há uma exceção, na seara das recuperações judiciais há víboras peçonhentas que se dedicam apenas e tão somente à digestão rápida e criminosa do patrimônio de empresas, que deveriam ser recuperadas.

Medidas sem nexo causal são tomadas ao arrepio da lógica, sem que sejam respeitadas as regras que o ordenamento jurídico estabelece.

No caso da Semenge, esse tipo de conduta nada ortodoxa foi posta em prática desde 2007 – e tem sido frequente até hoje –, situação corroborada por disputa complexa e que envolve, ainda, um patrimônio, que, por enquanto, não foi vilipendiado por causa das muitas intervenções de advogados que buscam proteger o que ainda resta da empresa – e não é pouco – e pode ser viabilizado. Isso explica as decisões nada compreensíveis de alguns administradores judiciais, muitas bisonhamente endossadas por juízes pouco atentos ou, quiçá, coniventes com o desmando.

No momento em que a administração judicial é marcada por estranha e inexplicável troca de administradores, como se tal operação fosse tão simples como substituir o técnico de um time de futebol de várzea, não se deve descartar a possibilidade de que algo estranho existe nos bastidores.

É possível, inclusive, sem medo de cometer algum equívoco, afirmar que algo de errado existe por debaixo da alcatifa onde pisam alguns administradores judiciais que não merecem confiança que lhes depositam os magistrados.

Somente quem conhece os subterrâneos da Justiça sabe o que pode acontecer quando em disputa estão interesses financeiros e patrimoniais de uma empresa que um dia foi sinônimo de excelência e respeitabilidade.

Nesse ponto fala mais alto, em várias situações, a ambição do ser humano, que para alcançar seus objetivos manda às favas a moralidade, a ética e o bom Direito. Isso não significa que todos os envolvidos em questões judiciais dessa natureza, e que estão a serviço do Estado, agem de forma corriqueiramente inescrupulosa. Contudo, não se pode ignorar a fumaça que surge a partir dos escaninhos desse universo pouco espartano.

Trem-fantasma fora de hora

Fechar os olhos para essa fumaça que se desprende dos subterrâneos do Judiciário é endossar a interpretação que a opinião pública tem acerca da folclórica cegueira da Justiça. De que ela [Justiça] é privilégio de poucos e, vez por outra, palco de decisões bisonhas.

Enquanto corregedora do Conselho Nacional de Justiça, a soteropolitana Eliana Calmon afirmou que “há, no Poder Judiciário, bandidos de toga”. Em sua declaração contundente, que causou mal-estar no Judiciário, Calmon disparou um dos seus dardos discursivos na direção da Justiça paulista. Por questões óbvias não se pode tomar tal afirmação como regra, mas é sabido que nas entranhas do Judiciário muitas vezes fala mais alto quem pode mais ou quem conhece a pessoa errada que ocupa o lugar certo.

Muitas das decisões do Judiciário tomadas no âmbito do caso da Semenge fugiram e a inda fogem das raias do bom Direito, algo que não deveria acontecer fosse respeitado na íntegra o ordenamento jurídico do País.

Analisando o processo da Semenge percebe-se que muitas decisões, estranhas, é bom lembrar, foram tomadas para beneficiar alguém interessado em dilapidar com celeridade o patrimônio da empresa.

Isso explica a pressa reticente de alguns administradores judiciais que, ao longo dos últimos anos, dilapidaram o patrimônio da Semenge e insistiram em vender seus imóveis, sem prestar contas aos acionistas, como se nada representasse a sua função de administrador judicial, ou seja, “longa manus” (expressão de origem latina que significa “executor de ordens”) do Poder Judiciário. Outros, temendo as reticências de eventual escândalo, preferiram abandonar o caso.

Os tribunais do Rio e de São Paulo deveriam aproveitar o caso em questão para provar à opinião pública que a cegueira da Justiça não é mera figura de retórica a alimentar o folclore, mas, sim, uma ode à imparcialidade no trato das demandas sob a sua responsabilidade.

Por enquanto, o caso da Semenge pode ser facilmente comparado a um trem-fantasma de parque de diversões, pois a cada nova viagem nos trilhos do amedrontamento programado sempre surge um assombração desconhecida.

O desdém do Judiciário e o nosso compromisso jornalístico

Se a Justiça é cega, como destacamos, seus operadores têm a obrigação de enxergar muito além de fatos pontuais, até porque um julgamento não se pode dar à sombra da letra dura da lei. Um caso complexo como o da Semenge não pode ser olhado de maneira isolada, pois é a partir do todo e seus muitos detalhes que será possível fazer justiça. Essa visão ampla e coerente é responsável por incensa o tão cultuado viés filosófico e sociológico do Direito.

Fosse prerrogativa de um juiz decidir com base nas próprias convicções – sempre acompanhadas pelo rococó do “juridiquês” – e ignorando o que determina a lei, metade dos habitantes do planeta estaria condenada, sem direito a recurso ou reclamação. Seria o mesmo que reeditar a Lei de Talião, adequando-a aos tempos atuais. Pela complexidade da era contemporânea, por certo sobrariam olhos e dentes pelo caminho.

É sob esse prisma que o caso da Semenge vem sendo analisado e julgado em muitas instâncias da Justiça, sem que em nenhum momento a sensibilidade dos magistrados tenha se apresentado.

É inaceitável que uma história empresarial de reconhecido sucesso termine como mais uma disputa societária descabida, vítima do desdém – ou conivência – de um punhado de magistrados e seus auxiliares.

O ucho.info, que ao longo dos anos tem levado à opinião pública a verdade dos fatos de casos tão complexos quanto desconexos, não fugirá da sua obrigação de acompanhar com muita proximidade uma questão judicial que é recheada de equívocos, muitos dos quais cometidos com a aquiescência burra do Judiciário.

Reconhecido nacional e internacionalmente por sua postura firme, coerente e ética diante dos fatos que atentam contra a lógica da Justiça e a democracia, a equipe deste site não se curvará diante qualquer ameaça que por ventura brote das entranhas de um imbróglio repleto de situações jurídicas estranhas.

Aceitar a morte de um empresário como o episódio maior e não esclarecido de um caso complexo seria apunhalar a nossa devoção pelo jornalismo sério e responsável. As próximas reportagens da série mostrarão quais peças se movimentam de maneira nada comum no tabuleiro desse enxadrismo judicial.