Dados apontam que o perfil procurado pelos pretendentes à adoção não equivale ao perfil das crianças aptas
(*) Ana Carolina Castro
Aos oito anos de idade, uma menina vivia em um abrigo de Uberlândia (MG) por sofrer maus-tratos dos pais biológicos. Devido à idade, as chances de encontrar uma nova família eram reduzidas, mas um casal de funcionários públicos decidiu adotá-la. Fez visitas frequentes à criança durante os seis meses que antecederam a adoção, mas depois de oito meses de convívio com os pais adotivos e de demonstrar plena adaptação, a garota foi devolvida ao abrigo. No dia da audiência final, o casal desistiu da adoção sem dar justificativas. Infelizmente, demorará um longo período de tempo até que essa criança esteja apta novamente a ser encaminhada para uma nova família adotiva, pois o trauma do abandono deve ser superado com ajuda de psicólogos.
Adotar uma criança é uma decisão complexa, exige planejamento e muito comprometimento dos pais. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção é irrevogável. Assim como não se devolve um filho “legítimo”, não se devolve uma criança adotada.
O Ministério Público de Minas Gerais cobra na Justiça uma indenização de R$46.500 por danos morais, e também uma pensão alimentícia de 15% da remuneração do casal que será paga à criança até que ela complete 24 anos. Por essa razão, a preocupação das ONGs e das varas da Infância e da Juventude é muito grande em relação ao processo de seleção e acompanhamento dos pretendentes à adoção, para que a criança ou adolescente não sofra, novamente, a penosa experiência do abandono. Apesar dos esforços, muitas vezes os candidatos selecionados não estão prontos para a experiência de ter um filho. E quem sofre é a criança.
Perfil procurado X Perfil disponível
Muitas crianças, no entanto, não chegam sequer a ser adotadas. O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), sistema usado para auxiliar os juízes das varas da Infância e da Juventude a agilizar os processos de adoção, atualmente aponta 2.585 crianças aptas a serem adotadas enquanto o número de pretendentes é de 17.985. O último balanço do CNA mostrou que São Paulo é o estado com o maior numero de crianças cadastradas – ao todo são 1.102 crianças que aguardam adoção para 5.863 pretendentes. Em segundo lugar está o estado do Paraná com 3.154 pretendes para 296 crianças, e em terceiro está Minas Gerais com 254 crianças para 2.341 pretendentes.
Os dados do cadastro revelam uma realidade preocupante: há muitas crianças à espera de um lar, mas que não serão adotadas com tanta facilidade. A juíza Cristiana de Faria Cordeiro, membro do Comitê Gestor do CNA, afirma que essa situação deve-se ao perfil de criança que a maioria das pessoas cadastradas busca, ou seja, crianças sem problemas de saúde, de cor branca, do sexo feminino e recém nascidas. “A demora para a adoção, muitas vezes criticada, deve-se mais pela exigência dos casais do que pela lentidão da Justiça”, ressalta a juíza.
A maioria das crianças que estão disponíveis para adoção tem mais de quatro anos de idade, mas os pretendentes, em sua maioria, buscam bebês. O Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (GAASP) é uma das muitas organizações que atuam na orientação de famílias adotivas ou que tenham intenção de adotar. Roberto de Paula Beda, vice-presidente do GAASP, explica essa contradição: “O desejo de adotar uma criança nasce do sonho das famílias de terem filhos, sendo que a maioria gostaria de criar a criança desde o seu nascimento, como se a tivesse gerado. Outro desejo de várias famílias é que seu filho seja fisicamente parecido com elas. No entanto, a maioria das crianças abrigadas não são mais bebês e são pardas ou negras”.
O receio em adotar crianças maiores é comum, pois muitos adotantes temem a adaptação da criança na nova família. Crianças maiores, por sua vez, poupam os adotantes de trocar fraldas, acordar durante a noite, e de todo o cuidado que bebês exigem. Além disso, os pais podem conversar com a criança e entender como ela reage com a nova situação.
Há muitas organizações que orientam os pais adotivos para que a experiência da adoção seja vivida de forma saudável. Beda explica que “uma parte importante do trabalho que os grupos de apoio fazem é o de ajudar os pretendentes a perceberem que é viável a adoção de crianças maiores, de etnia diferente e que o sonho de ter um filho não precisa ser realizado com um bebê. Além disso, todos os filhos podem chegar em um único momento, com a adoção de irmãos”.
Independentemente da idade ou do número de crianças, antes da adoção deve-se sanar todas as dúvidas e analisar as dificuldades, já que a decisão exige muito comprometimento e será para a vida toda. São cerca de 80 mil crianças e adolescentes espalhados pelo país a espera de uma família. Será que na sua não cabe mais um?
A adoção
Segundo o ECA, qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar uma criança, desde que seja no mínimo 16 anos mais velha que a criança, independentemente do sexo ou do estado civil, e que possua idoneidade moral e financeira. Avós e irmãos da criança não podem adotar, mas podem pedir a guarda ou tutela junto à Vara de Família.
Os interessados devem comparecer com documento de identidade e um comprovante de residência em uma Vara da Infância e Juventude. O candidato preencherá um requerimento padrão e será posteriormente encaminhado para as entrevistas com assistente social e psicólogo.