Gloriosa até mesmo no erro

Marília Pêra dá corpo e voz à americana Florence Foster, a mais famosa má cantora do mundo

(*) Ana Carolina Castro

Marília Pêra interpreta Florence Foster  (divulgação)
Marília Pêra interpreta Florence Foster (divulgação)

Um dos grandes nomes do teatro brasileiro, Marília Pêra tem talento o bastante para interpretar uma cantora desprovida de qualquer habilidade. É essa contradição inusitada que se revela em “Gloriosa”, musical que estreia sexta-feira (05) no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. O espetáculo, dirigido por Claudio Botelho e Charles Möeller, conta a vida de Florence Foster (1868-1944), soprano americana que, graças a sua desafinação, tornou-se lenda da Nova York dos anos 40. Filha de um banqueiro bem-sucedido, Florence era uma mulher que se vestia mal e que tinha plena ilusão de que sua voz era angelical. Assim, assassinava clássicos de Mozart, Verdi e Strauss.

A peça retrata os dez ultimos anos da cantora, quando junta-se ao pianista Cosmé McMoon, com quem formaria uma dupla inseparável. McMoon, com razão, impedia a presença da imprensa nos recitais para poupar Florence de críticas, que não eram nem um pouco positivas. A cantora virou motivo de chacota no meio artístico, e por isso lotava concertos. A plateia comparecia às apresentações para rir da piada que era a desafinação da cantora, mas Florence acreditava que o público estava ali para admirar sua voz. Com a certeza de um talento que nem de longe possuía, todos os anos ela promovia um recital no elegante Hotel Ritz em Nova York para arrecadar dinheiro para instituições de caridade. Com dois discos gravados, Florence morreu aos 76 anos. Há quem diga que morreu de tristeza ao saber o que os críticos falavam de sua voz desastrosa.

Florence Foster lotou casas de shows na Nova York dos anos 40  (Reprodução)
Florence Foster lotou casas de shows na Nova York dos anos 40 (Reprodução)
Interpretar a cantora foi, portanto, um grande desafio para Marília Pêra, que teve a penosa tarefa de ouvir as árias gravadas por Florence e preparar a voz para desafinar. A atriz contracena com Eduardo Galvão, que interpreta o pianista McMoon e assume o papel de narrador, e também com Guida Viana que vive a empregada mexicana, professora de canto e também melhor amiga da cantora. Igualmente brilhantes, Galvão e Viana, ao lado de Pêra, formam um trio articulado e que retrata a história de Florence com muita sensibilidade.

O ápice do espetáculo, já no final, é quando Florence volta ao placo para mostrar como era a realidade que ela acreditava existir, e a atriz, num belo solo, encanta a plateia com uma interpretação impecável de “Ave Maria”, de Bach/Gounod. O mais interessante é que a peça, no entanto, não é levada unicamente pelo caminho cômico. Botelho e Möeller nos proporcionam a sensação de, no final, nos deparamos com a triste realidade de uma mulher sonhadora, que acreditava no seu talento, mesmo sendo a única a fazê-lo. “Gloriosa” passa ao espectador uma bonita mensagem de autoconfiança, e prova que Marília Pêra acerta até mesmo no erro.

“Gloriosa”
105 min. 12 anos.
Teatro Procópio Ferreira (670 lug.). R. Augusta, 2.823, 3083-4475.
5.ª e sáb. 21h; 6.ª 21h30; dom. 18h.
5ª R$70 / 6ª e dom. R$80 / sáb. R$90
Fica em cartaz até 02/08.

Ouça aqui: [audio:http://ucho.info/Audio/Florence_Foster_Jenkins_Der_Holle_Rache.mp3]
Florence Foster canta Queen of Night, ária de “A Flauta Mágica” de Mozart.