(*) Roberto Romano da Silva –
Athanasius Kircher (1601-1680), jesuíta competente nas artes de governo, imaginou meios para que as elites dirigentes investigassem tudo sobre os cidadãos e, ao mesmo tempo, deles escondessem tudo. Entre aqueles meios, ele imaginou gigantescos megafones, nos quais a “verdade oficial” seria transmitida. Segredo, de um lado, espionagem e propaganda de outro. Esta foi a receita eficaz para a razão de Estado, receita que, adequando-se aos tempos e lugares, permanece até hoje. Donoso Cortés, no Discurso sobre la ditadura (1849), diz que chega o dia em que os governos proclamam : “temos um milhão de braços, mas não bastam. Precisamos mais, precisamos de um milhão de olhos. E tiveram a polícia e com ela um milhão de olhos. […] Não bastou aos governos um milhão de braços, não lhes bastou um milhão de olhos. Eles quiseram um milhão de ouvidos, e os tiveram com a centralização administrativa, pela qual vieram parar no governo todas as reclamações e todas as queixas. […]. Mas os governos disseram: não me bastam, para reprimir, um milhão de braços; não me bastam, para reprimir, um milhão de olhos; não me bastam, para reprimir, um milhão de ouvidos; precisamos mais, precisamos ter o privilégio de nos encontrar ao mesmo tempo em todas as partes. E tiveram isto, pois se inventou o telégrafo”. Chegamos hoje à internet, aos meios eletrônicos de busca e controle, além da espionagem dos próprios cidadãos, com uma eficácia que recorda o romance 1984.
O jesuíta e o conservador espanhol do século 19 pegaram traços essenciais da moderna dominação política. O fim último dos governos é o controle, para arrancar da cidadania impostos, votos, soldados para a guerra, etc. Tudo o que os governos puderem fazer para deixar longe dos olhos cidadãos os segredos oficiais, eles procuram (lembre-se o dito de Bismarck : “se o povo soubesse como são feitas as salsichas e as leis”…), e tudo o que os mesmos governos puderem fazer para arrancar informações sobre as “pessoas comuns”, eles o farão. E tudo o que eles puderem fazer para a propaganda de si mesmos, nos jornais, nos rádios, na TV, na internet, eles o farão. No Brasil, desde o DIP, tivemos um crescendo na lógica do segredo e da propaganda. Do controle e censura, ao incentivo à uma imprensa que apoiasse o ditador Vargas, à criação de programas como a “Hora do Brasil”, tudo foi tentado. Neste sentido, um livro essencial é da Professora Maria Helena Rolim Capelato, “Multidões em Cena, propaganda política no varguismo e no peronismo”, São Paulo, Ed. Unesp, 2008).
O que Lula faz hoje, e fará amanhã com meios modernos como a internet, segue a lógica do Estado autoritário, cujos inícios se encontram no Estado absoluto do século 17. O historiador Peter Burke, num livro intitulado “A fabricação do Rei” (RJ, Zahar Ed), mostra que Luis XIV (“O Estado sou eu”) instaurou a propaganda do trono, de modo a fazer com que o regime absolutista fosse aceito e temido e admirado. A coluna de Lula, obra de Martins e secretários, com poderosa ajuda de João Santana, serve para propagar o governo, tornando a sua face atual o regime de amanhã. E este regime não terá três poderes isonômicos, mas apenas um, supremo, o Executivo. A tendência está inscrita em nossa História, desde Dom João VI e Pedro I, com o Poder Moderador que estava acima dos três poderes, com prerrogativas ditatoriais.
Com o descalabro e a desmoralização do Legislativo e a ineficácia do Judiciário (não existe vazio no poder) o executivo tende a legislar cada vez mais e não apenas com Medidas Provisórias. Logo ele julgará os cidadãos. Neste modelo político é preciso a figura do Pai da Pátria, como foi Pedro I, “defensor perpétuo do Brasil” e Getúlio Vargas. E como pretende ser Lula (em muitas ocasiões, ele indicou a si mesmo como pai do Brasil). As colunas podem ser, caso não apareçam debates e recusas, a fala semanal do Big Brother na imprensa, depois na TV e no rádio abertos, na Internet. E ai de quem não dobrar as orelhas e os joelhos aos paternos conselhos!