Teimosia de Mubarak leva a impasse político e coloca o Egito na mira do fanatismo religioso

Crise continua – Depois de treze dias de protestos, os oposicionistas egípcios conseguiram no domingo (6) se reunir com integrantes do governo do presidente Hosni Mubarak, que continua resistindo à pressão para deixar o cargo e o país, como querem os milhares de manifestantes que não arredam o pé da Praça Tahir, centro da intifada.

Durante o encontro ficou decidida a criação de um comitê que comandará a transição política no Egito, com o objetivo de estancar a crise política que foi a primeira reticência de uma rebelião popular que derrubou recentemente o então presidente da Tunísia, general Zine El Abidine Ben Ali, que fugiu do país e teve seus ativos financeiros congelados, até então confiados a bancos internacionais. Os opositores ao regime do presidente Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, foram capitaneados pela Irmandade Muçulmana, principal liderança política e religiosa do Egito, que até estava na clandestinidade.

Enxertar a Irmandade Muçulmana nas negociações pode ter sido uma decisão errada, mas era a única saída para estancar momentaneamente uma crise que poderia, como ainda pode, ganhar proporções inimagináveis. A Irmandade Muçulmana atua em boa parte do mundo árabe e a evidência que ganhou no movimento egípcio fez com que o aiatolá Khamenei, autoridade máxima do Irã, declarasse na última semana que a onda revoltosa que ora marca o mundo árabe decorre da histórica Revolução Islâmica, que em 1979 defenestrou do poder o xá Mohammad Reza Pahlavi (então aliado dos EUA) e permitiu a volta de Ruhollah Mousavi, o ultra radical aiatolá Khomeini, ao país.

A primeira reunião entre as lideranças oposicionistas e representantes do governo de Hosni Mubarak concordaram em alterar alguns itens da constituição local, que após as mudanças permitirá a participação de mais partidos políticos nas eleições do Egito e limitará o número de mandatos de um presidente. A Irmandade Muçulmana, que aceitou as mudanças das regras eleitorais, deixou o encontro a bordo da insatisfação. O que mostra que um efeito cascata no mundo árabe não está descartado.

A teimosia de Mubarak em permanecer no cargo foi destacada pelos jornalistas do ucho.info, pois se no primeiro momento a crise tinha um viés muito mais político do que religioso, com o passar dos dias a situação começou a se inverter. Prova disso foi a decisão da Irmandade Muçulmana de chamar para si a interlocução com o representante do governo egípcio – nesse caso o vice-presidente Omar Suleiman – papel que até vinha sendo desempenhado pelo ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e Prêmio Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, que retornou ao Cairo no início da crise política. E a participação da Irmandade nas negociações contou com o apoio declarado do governo dos Estados Unidos.

No final de semana, um enviado dos EUA cogitou a possibilidade de Hosni Mubarak continuar no poder durante o período de transição, mas a Casa Branca descartou a hipótese, pois qualquer instabilidade no processo provocaria consequências desastrosas ao Estado de Israel, o mais fiel aliado norte-americano na região. As consequências, ainda que pacíficas, já começam a ser sentidas, pois Israel depende em 70% do petróleo do Egito, cujo principal oleoduto foi incendiado em vários pontos, comprometendo parcialmente o abastecimento. Autoridades israelenses acreditam que os ataques resultam da ação de fundamentalistas islâmicos.

Acertadas as arestas entre o governo de Hosni Mubarak e os representantes da oposição, não há qualquer garantia que o Egito, a depois de nova eleição, mergulhará em um período democrático e de liberdade de expressão. Não se deve descartar a possibilidade de o Egito migrar de um modelo totalitarista civil para uma ditadura religiosa, como acontece de maneira escandalosa no Irã, conduzidos com mão de ferro pelo aiatolá Ali Khamenei e pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad. Resumindo, o caos no Oriente Médio pode estar apenas começando.