Efeito colateral – O levante popular que defenestrou Hosni Mubarak da presidência do Egito, onde estava instalado há trinta anos, não significa que a ditadura dará lugar à democracia e muito menos que a população local passará a ter dias melhores em termos de dignidade de vida. Qualquer previsão depende de uma interpretação da sequência de atos da junta militar, que assumiu o comando do país após a saída de Mubarak.
Quando os militares hesitaram em apoiar o presidente deposto, estavam em jogo algumas regalias que as Forças Armadas conquistaram ao longo dos anos e não querem perdê-las da noite para o dia. E a manutenção dessas regalias foi a moeda de troca para que Mubarak tivesse tempo suficiente para tomar decisões de cunho pessoal e deixasse o poder de maneira negociada, levando na bagagem boa parte da fortuna que amealhou em três décadas de tirania e truculência.
A queda de Mubarak decorreu de uma intifada popular na Tunísia, que tirou do poder outro tirano conhecido, o general Zine El Abidine Ben Ali. O segundo desdobramento da revolta tunisiana – o primeiro foi o Egito – deve acontecer no Iêmen, onde Ali Abdullah Saleh está prestes a cair após 32 anos no comando do o mais pobre dos países do mundo árabe.
A primeira grande ameaça resultante da crise que levou o Egito às manchetes internacionais foi momentaneamente sufocada. A blindagem do Estado de Israel depende da estabilidade política no Egito, que recebe anualmente dos Estados Unidos perto de US$ 1,5 bilhão como ajuda para garantir a supremacia ianque na região e monitorar o Canal de Suez, que descontrolado poderia resultar em ataques terroristas a Israel.
Análises pontuais à parte, essa onda de rebeliões populares em alguns países árabes pode sofrer um revés, pois há nesse contexto uma segunda ameaça, ainda não foi considerada de forma plena pelas autoridades. A suposta retomada da democracia nesses países levaria a uma enxurrada de foragidos para a Europa, todos em busca de trabalho e sobrevivência. Os primeiros sinais de que isso está a um passo de acontecer foi o aumento de imigrantes tunisianos ilegais que tentam chegar à Itália através da Sicília, mas quando flagrados pelos policiais italianos são levados ao porto da Ilha de Lampedusa (mapa acima), que faz parte do arquipélago conhecido como Ilhas Pelágias, no Mar Mediterrâneo.
A presença de tunisianos nas cidades italianas não é novidade e muito menos um fato recente. No final da década de 70 e o início da de 80, os tunisianos, fugindo da fome e da estreia da ditadura de Zine El Abidine Bem Ali, “invadiram” a Itália e tornaram-se submissos a trabalhos degradantes. Com um pouco de sorte, para não afirmar que tiveram menos azar, alguns passaram a integrar um grupo que foi apelidado de “vu compra” (corruptela de “vuoi comprare”)
Naquela época, início dos 80, os “vu compra”, como eram chamados os tunisianos, viviam de biscates. Em Milão, a mais prósperas das cidades italianas, os “vu compra” se dedicavam à venda de guarda-chuvas e capas de chuva em estações de metrô. Com o advento da falsificação de produtos de marcas famosas e caras, os “vu compra” mudaram de ramo, mas continuaram na ilegalidade e na clandestinidade.
O novo horizonte que se desenha na Tunísia aponta para um novo derrame de “vu compra” nas ruas e praias das principais cidades italianas. No contraponto, por conta da situação ilegal, os tunisianos vez por outra acabam assumindo os trabalhos menores em algumas organizações criminosas no país que há décadas luta para liquidar a Máfia e suas reticências maléficas.