O gato que mia

    (*) Gilmar Corrêa –

    Ferreira Gullar é um poeta que se reinventa. Filósofo do cotidiano brasileiro, o intelectual é uma das raríssimas vozes pensantes. Faz parte do que a intelectualidade chamou de intelectualidade brasileira. E os outros intelectuais, onde estão? Ninguém sabe. Alguns estão a serviço do poder, calados, por assim dizer. Outros insistem numa esquerda que não existe mais. Bem, essa é outra conversa.

    Se pensadores falavam aos borbotões num passado recente – enriquecendo a cultura da política nacional – também rarearam as oposições ao estabelecido. Viramos pobres de pensamento, de crítica e até de propostas. O poder de discernimento ficou mais precário na mesma proporção que muitos brasileiros tiraram o pé da lama.

    A bestialização coletiva cresce de forma geométrica. Parece que a grande massa, os pensadores, os filósofos, os críticos, se acostumaram a ser governo. A teta capaz de deixar surdos e mudos uma geração inteira.

    Até mesmo quem está no outro lado do balcão, por conta da força dos votos, tem ânimo para críticas. A impressão que se tem é que todos querem passar em concurso público, ter estabilidade no emprego e uma aposentadoria garantida com os tributos alheios. A febre dos concursos contaminou o Brasil.

    No Congresso Nacional, uma parte da oposição vive desanimada e a outra chora pitangas. Gostaria de estar do outro ao lado da maioria governista, onde certamente teria acesso às benesses da máquina e do poder.

    O senador Aécio Neves, de Minas Gerais, desceu a escada e foi parar nos fundos, junto com os parlamentares do Baixo Clero. Até o Palácio do Planalto esperava coisa melhor da figura que emoldura o front oposicionista. O leão se transformou num gato.

    De onde pouco se esperava, estão as melhores esperanças para um Senado Federal mais combativo. Itamar Franco, do PPS de Minas, ainda tem alguma energia para reclamar. Foi o único, repito, o único a se manifestar contra os constantes atropelamentos ao Regimento Interno do Senado, situação constrangedora por conta de uma maioria que se agacha ao Planalto.

    Ainda no lado tucano, causou espécie a inércia diante do anúncio de reajuste de 45% do Bolsa Família. Nada contra ajudar por algum tempo cerca de 13 milhões de famílias, segundo as contas do governo.

    É contraditório, no entanto, frear o índice do salário mínimo e congelar o valor da aposentadoria. É o mesmo que privilegiar o cara que trabalha e ajudar quem não pega no pesado.

    Nenhuma voz no Parlamento contra o avanço, cada vez maior, de encabrestar o eleitor com migalhas. É o mesmo tratamento que a família real da Arábia Saudita fez para acalmar os empobrecidos daquele país. Distribuir dinheiro para evitar uma convulsão social. A única diferença no Brasil é que os programas sociais não têm como única finalidade distribuir a renda, mas encurtar o tempo para um desmando totalitarista.

    Triste esse país onde quem estuda não pensa, e quem não pensa não sabe de nada. O gato mia cada vez mais baixo. A oposição, coitada dela, é incapaz de fazer o rato rugir, como na película de 1959, “The Mouse that Roared”. No filme inglês, o rato acabou vencendo a batalha. Aqui, parece que os ratos já ganharam a guerra.