Pelé fez um gol valer por dois há 50 anos, o “gol de placa” batizado por Betting

Virou história – É com tanta naturalidade que, no Brasil, se chama de “gol de placa” todo gol fora de série, que parece até que a expressão sempre existiu; que nasceu junto com o próprio esporte. Mas, como tantas outras coisas no futebol brasileiro, também esse termo deve sua existência especificamente àquilo que fez um homem: Pelé.

Foi há exatos 50 anos, no dia 5 de março de 1961, quando Santos e Fluminense se enfrentavam no Maracanã pelo Torneio Rio-São Paulo. Eram 40 minutos do primeiro tempo, e o timaço santista que seria campeão sul-americano e intercontinental nos dois anos seguintes já vencia o Fluminense por 1 a 0, gol de Pelé. O goleiro santista Laércio fez uma defesa para evitar o gol do empate e, a partir daí, o que se seguiu foi relatado assim pelo jornal “O Globo” do dia seguinte:

“A bola sobrou para Dalmo, que serviu a Pelé na entrada de sua área. Ele controlou a bola e, como uma possante máquina, engrenou a primeira, passou a segunda e imprimiu velocidade na terceira, atravessando todo o gramado sob a vigilância dos adversários. Já na área tricolor, Pelé driblou Pinheiro, que estava ao seu encalço, se livrou do desesperado Jair Marinho e, diante de Castilho, tocou fora do alcance do goleiro – que se atirou todo, mas seu esforço foi inútil. Alguns mais exaltados afirmavam que aquele gol teria que valer por dois. De fato, o gol foi tão espetacular que arrancou aplausos de todos os torcedores que, de pé, esquecendo-se de suas paixões clubísticas, embora empunhando bandeiras tricolores, proporcionaram uma cena jamais vista no Maracanã. Foram quase dois minutos de palmas, contados a relógio, enquanto Pelé desaparecia debaixo dos abraços dos companheiros.”

O então repórter esportivo Joelmir Beting, hoje um dos mais respeitados jornalistas econômicos do país, foi uma das testemunhas da obra-prima de Pelé. Quando retornou à redação do jornal “O Esporte”, onde trabalhava, Joelmir propôs à chefia do jornal que mandasse pendurar uma placa de bronze no Maracanã, para nunca apagar da memória coletiva a maravilha que ele havia presenciado. A ideia foi aceita, e o próprio Joelmir encomendou o artefato. “Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a placa do gol”, orgulha-se o jornalista. Dias depois, a homenagem foi inaugurada por Pelé no estádio, onde até hoje se lê: “Neste campo, no dia 05/03/1961, Pelé marcou o tento mais bonito na história do Maracanã”.

Cinquenta anos se passaram, milhares de belos gols foram anotados no maior estádio do Brasil, vários deles pelo próprio Pelé, mas é difícil encontrar quem ouse contrariar o que diz a placa de bronze. O ponta-esquerda Pepe, por exemplo, autointitulado o ser humano que mais marcou gols (405) com a camisa do Santos – “porque Pelé não conta; é de outro mundo” –, estava em campo naquela partida contra o Fluminense e não tem dúvidas.

“Foi, sim, o mais bonito que já vi naquele estádio. Ele partiu com uma velocidade incrível. O Castilho, que era um goleiraço, nem viu a bola passar. E nós só assistimos a ele avançando, embasbacados. O que, aliás, acontecia com freqüência”, lembra Pepe em conversa com o ‘Fifa.com”. “Mas o pior é que o homem fez tantos gols, e tantos lindos, que aquele nem foi o mais bonito que já vi dele. O mais bonito foi o da Rua Javari.”

Pepe se refere ao gol que o Rei mesmo considera o mais espetacular entre os 1296 de sua carreira. Em 2 de agosto de 1959, num confronto contra o Juventus pelo Campeonato Paulista, o Santos vencia por 2 a 0. E, então, aos 36 minutos do segundo tempo, aconteceu o lance que o próprio autor assim descreveu: “Já havia feito dois gols no jogo, mas os caras não paravam de pegar no meu pé. Olhei para a arquibancada e fiz um gesto de ‘espera um pouquinho’. Peguei uma bola vinda da direita, cruzada acho que pelo Dorval, e dei três chapéus seguidos, sem deixar a bola cair, em três juventinos diferentes. E concluí de cabeça. As vaias viraram aplausos”, comenta o Rei, que naquele dia pela primeira vez comemorou um gol dando o soco no ar que se tornaria sua marca registrada.

O gol da Rua Javari não ganhou placa, mas, em 2006, motivou a construção de um busto de Pelé no acanhando estádio do bairro da Mooca, em São Paulo. Não existem registros em vídeo nem desse gol, nem do gol de placa do Maracanã – o que acaba só dando mais significado à singela homenagem em bronze. Mas a maior contribuição, e a melhor forma de eternizar um lance daqueles, nem é tanto a placa, mas a adoção de uma expressão no vocabulário do futebol brasileiro. Até porque, como argumenta o bem-humorado Pepe: “Se fossem colocar uma placa para cada gol incrível que o Pelé marcou, ia ser difícil achar estádio no mundo que não tivesse uma.”