(*) Ucho Haddad –
Quando imaginamos ter o domínio sobre determinado assunto, o que em minha opinião é ousadia desmedida, um fato surge e desmonta, em questão de segundos, aquela falsa sensação de pleno saber. E esse tipo de situação ocorre com extrema facilidade na rede mundial de computadores, cada vez mais surpreendente.
Horas depois do anúncio da morte de José Alencar Gomes da Silva, na última terça-feira, 29 de abril, decidi escrever sobre a decisão da porção genuflexa da imprensa nacional de canonizar aquele que durante oito anos contemplou as estripulias do messiânico Luiz Inácio da Silva no Palácio do Planalto. Como jornalista político que insiste em permanecer distante do grupo de escribas amestrados pelas verbas oficiais, destilei no artigo “De frequentador da zona a crítico dos juros altos, José Alencar está a caminho da canonização” o meu pensamento sobre o mais novo escárnio de nossa querida pátria amada, salve, salve! O fiz em respeito à minha consciência e também em respeito aos leitores que nos últimos dez anos transformaram o ucho.info em “A MARCA DA NOTÍCIA”.
Para a minha surpresa, o referido artigo rendeu impressionantes 470 mil acessos em 48 horas. Em nenhum momento pensei que isso pudesse acontecer, mesmo sabendo que a internet tem suas inexplicabilidades. Recebi mensagens de apoio e cumprimento vindas de todas as partes do País, porém, mais uma vez surpreso, nesse extenso universo de leitores apenas três discordaram da minha opinião. Sempre soube que é impossível agradar a gregos e troianos, mas confesso que fiquei tão impressionado quanto lisonjeado com a repercussão do artigo e do meu pensamento.
Um dos críticos, ainda não preparado para conviver com a democracia, comparou-me ao deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), cuja trajetória política é fartamente marcada por polêmicas. Há no meu artigo o claro objetivo de impedir a canonização de um político que, entre tantas coisas, silenciou diante das barbaridades que emolduraram o período mais corrupto da história política nacional. E o meu mais novo desafeto mostra que está longe de compreender o que significa livre manifestação do pensamento.
Outro crítico, provavelmente mal informado, afirmou que esperei a morte de José Alencar para criticá-lo. Não, esse não é o meu perfil pessoal. Tampouco é essa a minha postura profissional. Nas críticas a José Alencar, claramente pontuadas no artigo, nada existiu de novidade. Apenas foram ressuscitados fatos que merecem ser analisados de forma profunda e isenta. E nos últimos anos eu e meus parceiros de jornalismo jamais deixamos de criticar o ex-vice-presidente por ocasião de seus tropeços. E um deles ocorreu quando Alencar, para justificar a sua recusa em se submeter a um exame de DNA, afirmou que a mãe de sua suposta filha fora prostituta em Caratinga, cidade do interior mineiro. O que para mim mostrou o seu verdadeiro caráter, pois mesmo que a mãe de sua filha fosse uma prostituta, a ele não cabia o direito de estampar no dorso de alguém o carimbo de “filha da puta”.
Querer transformar um doente que lutou com vigor contra o câncer em herói nacional é zombar da fatia pensante da opinião pública. Qualquer cidadão que enfrenta esse mal merece o respeito de seu semelhante, independentemente do status social, financeiro e político. E assim agi quando a revista Veja trouxe, em uma de suas edições, a reportagem “A candidata e o câncer”. A doença que alvejou a presidente Dilma Rousseff por certo é menos agressiva do que aquela que tirou a vida de José Alencar, mas trata-se de um assunto pessoal que deve ser respeitado.
Todavia, quando uma figura pública transforma o seu calvário em assunto de interesse nacional, com chances de render dividendos políticos a terceiros, qualquer reles mortal pode comentar o assunto. E foi exatamente o que fiz. Usando como ponto de partida o fato de conhecer com certa folga os meandros da política, fiz comentários que não fogem à verdade. Como o paciente José Alencar, que desafiou o câncer com bravura, conheço vários. Acompanhei diversos deles. Vi alguns amigos dizerem adeus por conta desse mal que tanto nos assusta. Mas Alencar enfrentou a peleja com todas as condições que o dinheiro lhe proporcionou.
Guindado às alturas após a morte, José Alencar, pelo que sei, pouco ou nada fez, como vice-presidente, em prol dos que padecem de câncer. Na verdade, o ex-vice-presidente assistiu calado o companheiro Luiz Inácio da Silva afirmar, em 2006, que a saúde pública estava a um passo da perfeição, nada tendo feito posteriormente para contestar o mitômano que ele [Alencar] ajudou a eleger, segundo palavras do próprio Lula.
Se o meu artigo desapontou alguns, só tenho a lamentar, pois a nossa Carta Magna me concede o sacro direito da livre manifestação do pensamento. E assim continuarei fazendo, até que o Criador me chame para uma conversa. Aí, sim, pensarei em mudar de posição, quem sabe para assumir o cargo de ombudsman do céu. Até lá, os inconformados terão de aturar a minha pena ácida, porém verdadeira.
Aos que me honraram com a leitura deixo um emocionado muitíssimo obrigado!