Os nossos véus

    (*) Marli Gonçalves –

    Observemos como todos nós usamos véus e máscaras e estamos nos escondendo atrás de murinhos – celulares, fones de ouvido, cara fechada…

    Basta olhar pelas ruas. É impressionante. Todo mundo com aquele celular achatado na orelha, o cotovelo levantado segurando, parecendo uma asinha quebrada. Tendo o personagem uma queda para o lado arco-íris, fica até jeitoso ver aquele desmunhecar todo ao telefone. Nas cidades grandes as pessoas precisam quase enfiar o telefone no ouvido para escutar, e mal. Nos carros daqui a pouco vão instalar piloto automático, para que os motoristas (!) possam falar ao celular sem segurar a direção, nem prestar atenção em nada, essas coisas tão chatas. Com a outra mão podem…, sei lá… fumar! Escrever um tratado no IPad. Futucar o GPS. Tirar pelo da sobrancelha.

    Mas não é exatamente a tecnologia o nosso tema. São os véus. Os diáfanos véus. Ou os pesados e primitivos véus. Ou os dissimulados véus que inventamos para nos esconder uns dos outros. Cada vez mais. Vivemos numa época tão despropositada que um país como a França estabelece uma lei que proíbe as mulheres muçulmanas de portar seus véus. Está multando. Prendendo. Hipocrisia pouca é bobagem. Conseguem ver leis mais idiotas do que as que proíbem roupas? Você é do tempo em que isso acontecia aqui? Pois houve esse tempo, fique sabendo.

    Vamos então proibir nossas freiras, nossas monjas. Proibir as mulheres-coluna, com aquelas saias compridas que certas denominações evangélicas exigem, junto com cabelos lá no pé. Vamos arrancar a cabeça das orixás dos terreiros, os turbantes das baianas. Proibir a Colombina dos salões. Aproveitamos e proibiremos também plásticas radicais, enchimentos “rugo-alisantes”, plantação de silicone nas montanhas, tintura de cabelo. Claro, perucas, nem pensar!

    Não são de certa forma véus? Coberturas que podem tornar alguém irreconhecível? Penso que só pode ser esse o motivo francês. Medo que por debaixo daqueles panos todos esteja (e poderá estar) uma bombshell deslumbrante. Ou uma bomba na mulher. Se não for, se for só para encher o saco de quem tem o credo e o hábito, desculpe, mas é ridículo. Ou pensarão eles que estarão com suas leis e ordens decretadas libertando as mulheres islâmicas do jugo opressor dos véus?

    Com que direito podemos achar que elas o fazem por obrigação? São vários tipos e modelos, todos com apresentações bem específicas: Hijab , Niqab, Burca, Khimar, Chador, Shayla, Al-Amira, Tudong, Paranja. Em todas, o mistério do revela-ali, não revela-aqui dos véus. Aqui no Brasil logo enrolaríamos os panos e faríamos biquínis, cangas, puxadinhos e amarradinhos, moda. Lá é o que fazem. À sua moda.

    Precisamos respeitar. Porque todos usamos véus. Quando queremos ficar isolados, fazemos isso: usamos véus. Quando queremos montar uma história, dissimular, mentir fazemos isso: usamos máscaras. Como a do menino Neymar por isso punido, por festejar com a cara dele mesmo, mas em hora imprópria. Ouviu a piadinha? “Ué¸ se não pode usar máscara o que (INSIRA AQUI O NOME DO JOGADOR QUE VOCÊ ODEIA) está fazendo em campo?”

    Mulheres, por exemplo, são capazes de se mimetizar muito melhor do que os homens. Se escondem até em suas bolsas grandes. Ou numa jogada de cabelo, uma puxada para trás, num salto alto, nas lentes dos óculos escuros, como os das madames das primeiras filas dos desfiles de moda. Quer coisa mais mascarada?

    Também não é por menos que nós, mulheres, dançamos a Dança dos Sete Véus, camadas retiradas em um ritual colorido e de purificação, simbolizando a entrada da sacerdotisa no mundo dos mortos, sem apego a bens materiais. Embora seja um tesão de ver, seu significado é espiritual: a nudez.

    Daí o naturismo ser tão legal. Tão importante e natural. Como seria bom que despir-se pudesse ser mais bem compreendido e protegido, como é na Alemanha, ou na Grécia, tomadas como exemplos. Garanto e creio que ninguém vai ser obrigado a aderir total. Só quem quiser. Pense: ao conhecer uma pessoa nua, o que ela vai poder te esconder? Você não terá a marca dos sapatos ou de sua camiseta como referência e avaliação. Já estará vendo todas as suas cicatrizes. Suas gorduras e seus ossos. Para baixo e para cima do umbigo. Admita.

    Todos estamos cobertos. Repare que ninguém mais se olha nos olhos, um horror. E quando o fazemos – e acaso encontramos um raro olhar vindo na outra direção – somos quase capazes de corar. Ou morrer, de susto ou prazer, gaguejando naquele instante onde tantas informações se cruzam, elétricas, teleféricas, evidentes. Assim nascem os amores à primeira vista.

    Quando pensei nos murinhos, véus e máscaras atrás do qual nos escondemos lembrei dos mais modernos. Mas também há os livros atrás dos quais e dentro dos quais nos procuramos. Há a pompa atrás da qual se escondem, em geral, os medíocres.

    Não proponho que abandonemos radicalmente nossos confortáveis véus, ou as máscaras dos personagens escolhidos por cada um.

    Proponho apenas que deixemos os olhos de fora, para que possamos nos ver. Depois, gradativamente, libertemos as bocas, as mãos, os pés, as pernas, o tronco, até que fiquemos nus – ou pelo menos, mais desarmados. Até porque não vai ter lugar pra guardar.

    São Paulo, quase Páscoa. E a gente querendo que o mundo se acabe em chocolate.

    (*) Marli Gonçalves é jornalista. Para não ficarem achando que sou muito boazinha, vou ensinar uma dica preciosa para quem anda de carro nas capitais onde cada esquina é um verdadeiro mercado persa de pessoas pedindo coisas, fazendo malabarismo, mostrando suas chagas. Fique com o celular por perto para fazer de conta que está falando na Hora H da abordagem. Gesticule para ficar mais real a cena. O véu. Uma maravilha como funciona! Os caras, educados, costumam respeitar e não perder mais tempo. Seguem adiante buscando por outro incauto.

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