(*) Ucho Haddad –
“O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia”. (Millôr Fernandes)
Por reiteradas vezes usei este espaço para criticar a “marquetização” cada vez maior do futebol. Há aqueles que por certo me dispensarão a pecha de retrógrado, mas desde que surgiu em cena o marketing esportivo não me convenceu. Críticas são sempre bem-vindas, mas garanto que a minha implicância com a excessiva “marquetização” do futebol não passa de desvelo com o esporte bretão. Transformar o mais popular esporte do planeta em negócio, sem que haja espaço para a essência do futebol, é algo incompreensível, pelo menos para mim.
Há dias ouvi um torcedor respondendo a pergunta de uma emissora de rádio sobre a decisão de alguns clubes brasileiros trazerem de volta ao País jogadores consagrados. Disse o ouvinte que essa operação é importante, pois o “futebol vive de audiência”. Não, o ouvinte-torcedor está errado, pois futebol vive de futebol, negócio, de dinheiro. Quando o dinheiro começa a desvirtuar o esporte, o melhor a se fazer é parar e pensar, pois algo errado há nessa relação nefasta.
Nesse cenário complicado e misterioso em que se transformou o futebol há um sem fim de situações inexplicáveis. Considerado como um dos mais populares clubes brasileiros, o Corinthians parece ter gostado do dinheiro que o marketing esportivo colocou nos cofres alvinegros com a vida de Ronaldo Nazário, que acabou encerrando a carreira nos gramados muito antes do final do contrato. No rastro da operação que trouxe o ex-camisa 9 da seleção brasileira ao onze do Parque São Jorge, a “cartolagem” alvinegra não mediu esforços para ter no elenco o complicado Adriano, jogador que alguns ainda insistem em chamar de imperador. Só se for de confusão.
A chegada de Adriano ao Corinthians só não foi pior em termos de receptividade porque a diretoria corintiana tem uma relação de mão dupla com a torcida organizada, que regiamente remunerada fincou alguns torcedores na porta do clube. E quando a torcida organizada passa a palpitar no cotidiano de um clube da magnitude do Corinthians, os amantes do futebol que fiquem atentos, pois cedo ou tarde a bandalha há de subir ao palco.
De novo que alguns dirão que sou do contra, mas em conversa com alguns corintianos de alma, porém não burramente fanáticos, percebi quase a unanimidade reconheceu que a contratação de Adriano foi um tiro pela culatra. Acreditam os meus interlocutores que a única vantagem alvinegra acontecerá no cofre, mas não dentro das quatro linhas. Na última semana (11 a 15 de abril), Joaquim Grava, médico do Corinthians, tentou explicar à imprensa as razões para não se fazer um paralelo entre a contratação de Ronaldo Nazário e a de Adriano. Disse o competente Grava que a exemplo de Ronaldo, o atacante Adriano não um histórico de lesões. Lembrou o médico do Timão que o problema atual de Adriano é uma contusão no ombro. Engana-se Joaquim Grava, pois o problema de Adriano é pouco acima do ombro, situação que o tempo comprovará com a ajuda do próprio jogador.
Como a profissão de escriba exige um mínimo de boa memória, lembro que por ocasião da passagem de Adriano pelo São Paulo Futebol Clube o desastre foi tremendo. O tricolor do Morumbi passou a jogar em função do problemático jogador e viu desmoronar um esquema tático muito bem montado por Muricy Ramalho e que vinha dando certo. Adriano voltou para a Itália, o São Paulo custou a se recuperar do trauma e Muricy caiu.
E por falar em São Paulo futebol Clube, não é a grande a legião de torcedores do tricolor paulista animados com a contratação de Luís Fabiano e a com a possível chegada de Diego Forlán, eleito o melhor jogador da Copa da África do Sul e que ainda tem contrato com o Atlético de Madrid.
A exemplo do que acontece com os corintianos em relação a Adriano, alguns são-paulinos com quem conversei torceram o nariz para a decisão da diretoria do onze do Morumbi de buscar no exterior estrelas que vivem o epílogo da carreira. No último sábado (16) conversei longamente com o relojoeiro próximo da minha casa. Tricolor de coração e alma, mas com a massa cinzenta em boas condições, o simpático “japonês” que de vez por outra cuida dos meus modestos relógios – só um aficionado por essas máquinas do tempo – não se mostrou entusiasmado com a chegada das chamadas estrelas. Entende ele que essa turma vem ao Brasil para encerrar a carreira e rechear ainda mais a carteira, dinheiro que será pago de alguma maneira pelo torcedor-consumidor.
No vácuo dessa invencionice que açoita o futebol brasileiro, alguns clubes começam a pensar em levar o tal do marketing para a beira do gramado. Quem puxou essa fila insana foi o Internacional, de Porto Alegre, que para comandar o colorado gaúcho contratou o ex-jogador e até recentemente comentarista Paulo Roberto Falcão. Elegante na forma de jogar, o que lhe rendeu o título de Rei de Roma, Falcão teve uma rápida e não bem sucedida passagem pela seleção brasileira. Considerando que o Brasil também é um celeiro de bons técnicos de futebol, fazer marketing nessa área é no mínimo uma sandice.
Com a devida licença do “mano” Caetano, há muito não cruzo a Ipiranga e a Avenida São João, mas preciso admitir que “alguma coisa acontece no meu coração”. Até porque, a sensação que ora experimento é que em breve o futebol será mercadoria em extinção.