(*) Ucho Haddad –
O saudita Osama bin Laden, cuja morte foi anunciada na noite de 1º de maio e ainda carece de comprovação, transformou-se no ser humano mais caçado da última década. Seu inferno decenal foi decretado após os atentados de 11 de setembro de 2001, sendo que um deles colocou ao rés do chão nada menos que as torres gêmeas do World Trade Center, outrora símbolo do capitalismo e do poderio ianque. Cá não estou para defender o líder de um grupo criminoso, mas insisto na tese de que bin Laden foi alçado à mira estadunidense apenas e tão somente pela forma ousada como desafiou a matriz do império, operação que culminou com a morte trágica de milhares de inocentes.
O imperialismo que ainda domina o cotidiano das grandes potências fez ao longo de séculos, como ainda faz, muito mais vítimas do que os atentados terroristas orquestrados pela Al-Qaeda. Como admitir o óbvio nem sempre atende aos interesses de uma conhecida minoria dominante, a saída, a anos-luz do necessário mea culpa, é analisar os fatos sob o prisma da conveniência. E assim tem sido desde que a ganância passou a dar o tom da vida movida pelo amaldiçoado dinheiro.
Garante a sabedoria popular que fadado a molhar-se está aquele que entra na chuva, assim como é certo que na guerra o chumbo trocado é condição “sine qua non” para os que se contrapõem. Sendo assim, a vitória só existe quando a derrota aparece como coadjuvante. E quem aceita as regras do jogo não pode reclamar de um arranhão aqui e outro acolá, pois esse tipo de situação faz parte do show. Porém, a vitória não pode abrir caminho para que o calvário do inimigo seja comemorado de forma insana e efusiva.
Comemorar a morte de Osama bin Laden, como fizeram milhares de norte-americanos que foram às ruas, provocou náuseas, ao mesmo tempo em que permitiu reflexões múltiplas. A primeira razão para não se comemorar a suposta morte do chefão da Al-Qaeda está na frase cunhada nas moedas ianques. “In God we trust” (Em Deus nós confiamos). Ora, se os norte-americanos confiam em Deus, como garante a moeda corrente local, comemorar a morte de qualquer semelhante é uma desmedida heresia. E o que se viu após o anúncio da morte de Bin Laden provou que essa história de confiar em Deus é balela, pelo menos para os súditos do Tio Sam.
O segundo motivo para evitar comemorações é que a eventual morte de Osama bin Laden não traz de volta as vítimas do atentado de 11 de setembro. E os milhares de mortos na queda do WTC não podem ser esquecidos com apenas porque o terrorista mais procurado dos últimos anos foi eliminado. Afirmar que o fato de o saudita Osama ter passado para o outro lado da vida representa alívio é discurso de quem desconhece o que pode vir pela frente, pois a Al-Qaeda tinha em Osama bin Laden uma fonte de inspiração.
A terceira e mais complexa razão para deixar de lado as comemorações está na guerra do Afeganistão. Logo após os atentados de 11 de setembro, a Casa Branca, ainda sob o comando de George Walker Bush, deflagrou uma operação militar sem precedentes no Afeganistão, e que dura até hoje, apenas porque os serviços de inteligência norte-americanos trabalhavam com a informação de que o inimigo número um da América estava em algum esconderijo afegão. Com a suposta morte de bin Laden no Paquistão, a guerra do Afeganistão torna-se burra e os contribuintes ianques que se preparem, pois indenizações bilionárias desde já são devidas ao país que foi destruído no rastro dessa caçada insana.
Fora isso, se cada nação vive sob um conjunto legal, aos EUA não cabe o direito de invadir o território alheio pelo simples motivo de eliminar alguém que é considerado inimigo. Se tal conceito ganhar força, o mundo estará cada vez mais vulnerável, pois ninguém conseguirá deter a fúria ianque quando os adversários recheiam o cardápio da beligerância.
Mas há nesse episódio um cipoal de dúvidas que tão cedo não deixará o pensamento da humanidade. Osama bin Laden foi morto por agentes de elite da Marinha norte-americana, mas até agora nenhuma prova foi apresentada. A sociedade global, inclusive a dos Estados Unidos, cobra da Casa Branca provas cabais do fim do terrorista saudita, mas até agora nada foi exibido. A decisão do governo norte-americano de se livrar de um cadáver que poderia se transformar em troféu continua na seara da suspeição.
É sabido que para confundir um julgamento, seja ele da Justiça ou da opinião pública, o melhor a se fazer é eliminar provas. Pode parecer estranho, mas a eventual morte de Osama bin Laden tem detalhes que se confundem com o sumiço de Eliza Samudio, amante do ex-goleiro Bruno. No caso do terrorista, quem matou sumiu com o cadáver, mas não titubeia na hora de assumir o crime. Já no caso da amante do outrora guarda-metas do Flamengo, quem matou sumiu com o cadáver, mas nega a autoria do crime.
Em outras palavras, Samudio e bin Laden, se mortos, agora estão do outro lado da vida a zombar daqueles que ainda se preocupam com eles. Se vivos, ambos ainda hão de retornar à cena para as devidas explicações.