(*) Marli Gonçalves –
Estaríamos perdidos? Me ocorreu outro dia pensar como seria. Se os cachorros falassem, de verdade, será que continuaríamos conversando com eles? Contando segredos? O que será que eles contariam da gente para os “outros”, os cachorros? O que nos diriam?
Vivo em uma região de São Paulo onde, como diz o meu pai, tem mais cachorros do que gente. Não tem hora. Pode ser de madrugada que você encontra prestativos humanos nas ruas com eles, passeando, farejando, vendo onde depositarão suas necessidades, agora recolhidas em saquinhos que depois viram embrulhinhos pelos cantos. Eles têm todas as cores e tamanhos; são das mais variadas raças, incluindo as raras, super raras e raríssimas, daquelas que não adianta nem perguntar o nome para o dono – você não conhece mesmo. Invariavelmente esses donos empinam o nariz e respondem algo em uma lingua muito mais do que estrangeira, enrolam o “accent”e você vai continuar na mesma. Com cara de hãhã.
Ultimamente também parece desfile de moda. Alguns ficam bonitinhos; outros, verdadeiros palhacinhos, ridículos, mas todo mundo acha “engraçadinho” ver os coitados com sapatinhos, botinhas, capuzes e …jóias! Hora que penso no que eles diriam se pudessem. Como escolheriam, de vingança, as roupas para os seus donos, e o que acham de ser motivo de chacota, certamente, dos outros cachorros.
E as cadelasfashion victims que sofrem mais ainda? No cio as obrigam a andar por aí com fraldinhas e calcinhas rendadas. Já vi várias com unhas das patas pintadas, fora as que ganham bindis, aqueles adereços indianos, no meio da testa, no “terceiro olho”, laços e laçarotes. Se falassem…
Gosto dos mais lesados, aqueles que os donos, descolados, quando enfeitam, os bichos até se mostram orgulhosos, companheiros, com camisetas legais (é, eu disse camisetas legais), roupas camufladas, vistosas coleiras. Esses são os que a gente vê em passeatas, educados, e andam por aí, alguns soltos, orgulhosos, certamente pensando que são gente. Viralatas também viraram cults de uns tempos para cá, e amados de forma tão intensa como filhos adotados. Os escolhidos pelo coração, como dizem.
O problema é que – verdade verdadeira – muitas vezes os animais são o retrato fiel dos seus donos, e isso se aplica especialmente aos cães. Então nem preciso contar também que alguns se “acham” melhores do que os outros. É – eu também entendo um pouco da telepatia animal, por já ter praticado o esporte. Sei que a coisa está evoluindo e ficando pior com a sociedade de consumo fazendo questão de esfregar nas nossas caras as diferenças de poder econômico, e usando os coitadinhos como “laranjas”. Pobre agora tem cachorro e leva no petshop? Pois bem, os ricos botam jóias, implantam chips, daqui a pouco eles ganharão até celulares, inteligentes, claro, e passarão mensagens nas redes sociais. Por enquanto, os donos já vêm fazendo isso por eles, inclusive em agências sentimentais e matrimoniais. Outro dia, em um shopping de um outro bairro de São Paulo famoso pelo número de peludos/m² eu vi, e se me contassem talvez eu não acreditasse, uma loja só de vender carrinhos de bebê cachorro, cestinhas de colocar bebê cachorro, malas cobertas de cristais, roupinhas de bebê cachorro, entre outras peças.
O que eles, os próprios, diriam de tudo isso?
Mas do que eu gosto mesmo, a propósito, é acompanhar nas ruas o bate-papo, a conversinha, o lerolero, o diálogo, o trelelê dos donos com seus animais. Já ouvi cada uma! Os donos fazem aquela vozinha mais aguda de criança. Perguntam, e respondem eles mesmos, numa espécie de tradução simultânea sem igual. Adivinham as vontades, explicam as rabugices, tecem considerações sobre seus passos e movimentos. É mamãe pra lá, papai para cá; e tem a versão avô e avó, quando são estes que cuidam dos bichos de seus filhos.
Estão pensando que estou criticando? Não! Eu faço igual, ou melhor, faço e fiz, muito, com os três que tive na vida. E, como sou boa confessora, admito, ainda converso como “madrinha” de alguns com os quais convivo. Acho mesmo um exercício fascinante, porque eles te olham com aqueles zoinhos compreensivos, e você “ouve” de alguma forma o que eles estão querendo comunicar. Quem tem, ou gosta, sabe. Eles pedem desculpas. Reclamam. Fazem birra. Pedem para sair. Mostram ciúmes. Então, acho que falam, sim.
Quero saber é se falam entre si, e o que comentam. Meu pequinês da adolescência sabia mais de mim do que muita gente sabe até hoje, portador que era dos meus segredos mais recônditos. O poodle que tive depois, menos. Ele era bem pentelho, com medos adquiridos que sempre achei que, para curar, precisariam ir parar no divã de um psiquiatra. Já a minha menina, a que criei como filha, minha linda husky que conviveu comigo do dia de seu nascimento até a morte, quinze anos depois, ah, esta não só sabia tudo, como também foi, inclusive, cúmplice de uns bons feitos.
De repente me deu a dúvida se ela contou para alguém os detalhes do que conversávamos e fazíamos juntas, passeando por aí.
São Paulo, sinfonia de aus e miaus, 2011
(*) Marli Gonçalves é jornalista. Agora tem uma gata, a Love. Gato é gato, bem legal também, mas outra coisa. Dedico esse texto ao Kiko, o pequinês invocado e meio gambá, o primeiro, também chamado de Porpeta; ao belo poodle prateado Tommy (inspirado na ópera rock do The Who, porque ele parecia o Roger Daltrey quando nasceu) e, em particular, à Morgana, née Morgana Rainha das Fadas, seu nome no pomposo papel de pedigree, a husky da qual tanto tenho saudades de levar um bom papo todos os dias.
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