STJ teria anulado provas contra filho de Sarney por conta de vícios nas decisões

(*) Pedro Canário, do Consultor Jurídico –

Interceptações telefônicas prorrogadas 18 vezes por decisões idênticas, sem novos e bons argumentos do Ministério Público, e com base apenas em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Esse foi o motivo para o Superior Tribunal de Justiça anular todas as evidências colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público na Operação Facktor, ex-Boi Barrica, que investigou negócios de Fernando Sarney e de outros integrantes da família do presidente do Senado, José Sarney.

A única peça em que se baseou a PF para instaurar o inquérito, e o MP para pedir a quebra do sigilo dos acusados, foi um relatório Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O documento apontava “movimentações financeiras atípicas” entre Fernando Sarney, sua mulher, Teresa Cristina Murad Sarney, empresas do grupo Mirante (de propriedade do casal, e de outros sócios), funcionários e o empresário Eduardo Carvalho Lago. De 23 a 27 de outubro de 2006, foram movimentados mais de R$ 2 milhões, segundo o Coaf.

Em defesa de seus métodos, o Ministério Público alegou que a quebra do sigilo dos acusados era a única forma de apurar os possíveis crimes. Na petição final enviada ao STJ, obtida pela revista “ConJur”, o MP afirma que os “métodos normais” de investigação, previstos no Código de Processo Penal de 1940 “são sabidamente ineficientes” quando se trata de fraudes financeiras. “Não é por outra razão que o legislador editou as leis que tratam do crime de lavagem e da interceptação das comunicações telefônicas”, alegou.

O comunicado do Coaf, detalhando as movimentações, foi enviado ao Ministério Público Federal e à PF no dia 1º de novembro de 2006. O inquérito foi aberto no dia 22 de novembro, mesmo dia em que o MP pediu pela quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico e dos e-mails do grupo Mirante. Foi atendido no dia seguinte.

Quem concedeu o pedido foi o juiz substituto José Valterson de Lima. Argumentou que “a experiência tem demonstrado que uma tal movimentação de dinheiro vivo está geralmente relacionada a operações ilícitas”. O próprio Coaf já alertava que a comunicação da movimentação não era a denúncia de atividades ilegais.

O relatório dizia que aquelas eram “informações de inteligência” que “destinam-se a subsidiar investigações porventura existentes ou que venham a ser instauradas”. Foi essa linha que seguiu o STJ: apenas a comunicação do Coaf não é suficiente para determinar a quebra de sigilo, e deveriam ter sido colhidas mais evidências.

Segundo o MP, a quebra do sigilo bancário é a única forma de saber a origem e o destino do dinheiro, enquanto a quebra do sigilo fiscal serve para apurar a legalidade desse dinheiro — se considerado ilegal, se ele foi “lavado” e devolvido à economia do país. A escuta telefônica, disse, serviu para saber qual a relação entre as pessoas envolvidas nas transferências.

O Ministério Público ainda afirma que, se não houvesse dúvidas quanto à legalidade das transferências financeiras, o Coaf não o comunicaria.

Pela lei, toda movimentação acima de R$ 100 mil deve ser comunicada pelas instituições financeiras ao Coaf. O órgão, por sua vez, deve informar as movimentações que considera suspeitas à PF e ao MP, para que tomem as devidas providências.