(*) Ucho Haddad –
Ao longo dos anos, e lá se vão alguns, acabei me especializando em observar o cotidiano, de onde tiro inspiração para muitos dos meus textos. Ter começado a carreira profissional, em meados dos anos 70, como fotógrafo me deu a oportunidade de aprender a congelar na memória as cenas do dia-a-dia. Foi em uma finada editora, onde iniciei como lambe-lambe (sic), que descobri a intimidade com as palavras, com direito a produzir textos inclusive para fotonovelas. Mas o melhor de tudo foi perceber que de uma imagem é possível tirar mais de mil palavras.
Foi com esse “vício” de interpretar as cenas cotidianas que, dias atrás, me deparei com duas situações que confirmaram, novamente, a enxurrada de mentiras que marcou a passagem de Luiz Inácio da Silva pelo Palácio do Planalto. Tão histriônico quanto messiânico, Lula flanou nas alturas da popularidade apenas porque vendeu aos cidadãos promessas que se transformaram rapidamente em bolhas de sabão, que somem quando lançadas ao ar.
Ao perceber que poderia provocar ainda mais seus oposicionistas, o ex-metalúrgico adotou o bordão “nunca antes na história deste país”, como se ele [Lula] fosse uma espécie de profeta, salvador do Universo. Nos derradeiros meses da era Lula, afirmei de forma incisiva que seria preciso uma ou duas décadas para que o então presidente fosse desmascarado. Errei de maneira vergonhosa ao calcular esse delta de tempo, pois tudo aconteceu muito antes do que imaginava.
Sem que qualquer um dos seus seguidores tenha coragem para falar sobre a herança maldita deixada aos brasileiros, Lula faz ouvidos moucos quando o assunto é o retorno da inflação, algo que ele próprio combateu enquanto puxava a fila da oposição. Patrono do período mais corrupto da história política brasileira, Lula simplesmente abafa as críticas recorrentes com as láureas que os incautos lhe concedem ao redor do planeta. Essas honrarias, que perdem a importância diante do perfil de alguns contemplados, só acontecem porque os obtusos que as gerenciam sequer imaginam o que de fato acontece no Brasil no vácuo do legado de Luiz Inácio da Silva.
Durante os oito anos em que esteve presidente, Lula pegou carona no slogan “Brasil, um país de todos”. Acontece que em qualquer esquina brasileira é possível perceber que essa é a mais mentirosa de todas as frases já inventadas. Em São Paulo, como em muitas outras cidades do País, biscateiros se amontoam nos cruzamentos de ruas e avenidas. Como mascates pós-graduados tentam vender de tudo. De pano de prato a caju, de chocolate a guarda-chuva. Uma das primeiras inovações das esquinas – e já faz algum tempo – foi dependurar no espelho retrovisor dos automóveis parados no trânsito um pequeno saco plástico com balas e chicletes. Até outro dia, essas balinhas de retrovisor eram vendidas a R$ 1. Mas as guloseimas dos semáforos sentiram o efeito da inflação e agora não saem por menos de R$ 2. A decisão de aumentar o preço é tão recente, que o ambulante que encontrei dia desses preferiu aproveitar os pequenos pedaços de papel que acompanham as balas, trazem uma mensagem de fé e estampam o preço. E um rabiscado R$ 1 deu lugar aos agora R$ 2.
É de se perguntar por qual razão as balinhas do retrovisor sofreram um aumento de 100%, pois para os milagrosos palacianos a inflação está sob controle e não deve passar de criminosos 6,5%. É possível que isso tenha acontecido porque o fornecedor das balas também foi alcançado pela peçonha da inflação e, encurralado, acabou mexendo na tabela de preços. Outra possibilidade é o biscateiro estar gastando mais para continuar sobrevivendo indignamente.
Observar o cotidiano com olhos críticos tem dessas coisas. Às vezes você se depara com situações que mesmo insignificantes acabam explicando muitas coisas. Mas é uma pena que as pessoas, sempre agitadas e sem tempo, não percebam esses avisos gratuitos.
Antes de empunhar a pena para escrever sobre o assunto decidi esperar para conferir o óbvio. Até porque, dependo a crítica passa a ser um exame antidoping, que precisa de prova e contraprova. E não foi preciso ir muito longe para confirmar a verdade escancarada na esquina anterior. Não faz muito tempo, as balinhas de retrovisor cederam seus lugares nos cruzamentos aos malabaristas. No começo eram malabaristas de última hora, que se exibiam com laranjas, limões, pedaços de papel enrolados em formato de bola. A coisa evoluiu e ganhou um ar quase profissional. Surgiu gente fazendo malabarismo com bolas de acrílico, com pinos de boliche, com facas sem ponta e sem corte, com bolas de futebol ou de tênis, com pedaços de madeira cuspindo fogo. Encerrada a quase meteórica exibição, o malabarista se embrenha entre os carros à procura dos minguados trocados oferecidos por aqueles motoristas que sensibilizados reconhecem no esforço alheio o malabarismo da sobrevivência.
Como qualquer negócio, legal ou não, o malabarismo da esquina também precisa evoluir e inovar. Até porque, a concorrência é grande e conquistar a fidelidade do cliente é quase uma obrigação. Há alguns dias, em uma das tantas esquinas da Pauliceia Desvairada, encontrei um sujeito inovador. Longe dos apetrechos que já não fazem a cabeça dos motoristas, um malabarista se exibia com nada menos que três cocos verdes, que subiam e desciam às suas mãos como se amestrados fossem. E como se sabe, um coco verde, mesmo sem sua doce água, pesa bem mais que uma laranja, um limão ou uma bola de papel.
O leitor pode querer saber qual a relação do coco do malabarista com a inflação deixada pelo profético Lula. Fato é que seguindo na mesma profissão – hobby, biscate ou bico – o cidadão é obrigado a fazer muito mais força para levar a vida indigna de sempre. Quando isso acontece, o país, não importa qual, está longe de ser de todos. Mesmo assim, há quem reverencie Luiz Inácio da Silva.