Decisão do STF que criminaliza o ato de dirigir alcoolizado deve render longas polêmicas na Justiça

Dois lados – O Supremo Tribunal Federal decidiu. Dirigir alcoolizado é crime, mesmo que inexistam danos a terceiros. Durante julgamento de pedido de habeas corpus a um motorista de Araxá (MG) denunciado por dirigir embriagado, o ministro Ricardo Lewandowski foi claro ao defender seu ponto de vista. “É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique efetivamente um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato porque outros bens estão em jogo”, declarou o magistrado.

Há no âmbito da Justiça interpretações díspares sobre o tema, o que não significa que os irresponsáveis motoristas que dirigem sob o efeito de bebidas alcoólicas devam ser poupados. Reza a Constituição Federal que nenhum cidadão é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Tal princípio também é contemplado pela convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José de Costa Rica, que assegura “o direito de não depor contra si mesma, e não confessar-se culpada”.

No caso da Constituição Federal, esse dispositivo perde sua força quando a produção de provas é em favor da sociedade, destaca o advogado Michel Saliba, que atua nas instâncias nas cortes superiores da Justiça nacional.

Na opinião de Saliba, para quem o privado não pode sobrepujar o público, não se trata de violar o que determina a Carta Magna, mas de dar à sociedade as garantias que ela merece e precisa para continuar existindo de forma legal e democrática. Para Michel Saliba há dois caminhos a serem seguidos. O primeiro deles seria alterar o texto da chamada Lei Seca (Lei nº 11.705/2008), que vincula a culpabilidade do motorista à produção de prova.

Por sua vez, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 277, determina que “todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

Saliba lembra que é temerário acusar sem as devidas provas. O advogado volta no tempo e recorda quando as ações de investigação de paternidade eram ajuizadas antes do advento do exame de DNA. As decisões judiciais eram baseadas em provas testemunhais, mas com a chegada do exame de DNA muitas das sentenças foram reformadas, pois a tecnologia permitiu derrubar aquilo que as testemunhas garantiam ser verdade.

Michel Saliba não crê na necessidade de se reformar o texto constitucional que prevê o direito do cidadão de não produzir provas contra si mesmo. O advogado alega que basta uma interpretação do STF sobre o mencionado texto.

Enquanto isso, alguns ministros do Superior Tribunal de Justiça defendem que um motorista aparentemente embriagado não pode ser obrigado a passar pelo chamado teste do bafômetro e, por conseguinte, não há como condená-lo pelo crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Na opinião do ministro Og Fernandes, “para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica realizada com o teste do bafômetro ou exame de sangue”. O ministro Haroldo Rodrigues comunga da mesma teoria: “Como ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio, a pessoa tem o direito de não se submeter aos testes. E, sem essa prova técnica, não há como condenar”.

Tomando por base a declaração do ministro Ricardo Lewandowski, o porte de arma pode ser facilmente verificado com a abordagem policial, pois não exige produção de provas, mas, sim, um flagrante. Não se pode acusar alguém de porte ilegal de arma a partir da suposição de uma autoridade policial. No caso do motorista alcoolizado, o direito constitucional do cidadão de não produzir provas contra si é um entrave considerável para a efetivação da decisão do STF. De igual modo não se pode formular uma acusação com base em declarações de testemunhas, uma vez que cada um tem conceito distinto e nem sempre preciso sobre o que é estar alcoolizado.