Brasileiros não compreenderam a lógica que pautou os votos dos ministros contrários à Ficha Limpa

(Foto: Nelson Jr. - STF)
Sem rojões – Na noite de quinta-feira (16), logo após o Supremo Tribunal Federal ter decidido, por sete votos a favor e quatro contra, pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, as redes sociais foram transformadas em espaço para críticas aos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. Na opinião dos quatro magistrados, a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis os cidadãos com sentença condenatória por decisão colegiada, fere o preceito constitucional da presunção da inocência.

A tese que embasou o voto de cada um dos quatro ministros é a mesma defendida pelo ucho.info desde o nascimento da Lei da Ficha Limpa. Por ocasião da sua aprovação na Câmara dos Deputados, em 2010, o editor do site alertou para o perigo do populismo barato que tomou conta da votação – afinal o País estava prestes a entrar no período eleitoral – e principalmente para a evidente inconstitucionalidade da matéria.

Não se trata de defender os políticos corruptos, pelo contrário, mas a Constituição Federal é cristalina ao afirmar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer de natureza, e que nenhum cidadão será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória. No escopo da Lei da Ficha Limpa, o único item que pode ser considerado aplicável é o que torna inelegível por oito anos o político que renunciar ao mandato para escapar de processo de cassação. O mais difícil nesse caso é saber se aquele que renunciou ao mandato seria de fato cassado. Em outras palavras, prevaleceu a tese do “achismo”.

A política nacional carece, sim, de uma profunda assepsia, mas tal processo não deveria ocorrer à sombra de uma afronta à Constituição Federal, o que poderá abrir, a partir da decisão do STF, precedentes perigosos que colocarão em risco o cidadão comum. Elaborada a partir de iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa é um monumental fracasso em termos legislativos, pois desrespeita não apenas a maior de todas as leis, a Carta Magna, mas os direitos invioláveis do réu. A decisão do Supremo atendeu aos anseios de uma população preguiçosa no âmbito político, que só sabe cobrar o Estado quando lhe interessa.

A falta de politização da sociedade brasileira permitiu escândalos como o do “Mensalão do PT”, no qual o maior responsável pelo esquema criminoso de cooptação de parlamentares, o então presidente Lula, saiu ileso e com a aprovação popular em índices históricos. Quando o Estado compra a consciência da população com esmolas sociais, a aprovação da Ficha Limpa não deve ser comemorada, pois muitos políticos sem condenação alguma são igualmente perigosos ou mais.

Confira abaixo a opinião de cada um dos quatro ministros que votaram contra a Lei da Ficha Limpa

Dias Toffoli

“A declaração universal de direitos humanos aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1948 proclama que toda pessoa acusada de delito tem direito à presunção de inocência. […] A lei complementar nº 135 é reveladora de profunda ausência de compromisso com a boa técnica legislativa. É uma das leis recentemente editadas de pior redação legislativa dos últimos tempos. Leis mal redigidas às vezes corrompem o propósito dos legisladores e o próprio direito”.

Gilmar Mendes

“As mazelas do Judiciário não podem ser suplantadas com o sacrifício das garantias constitucionais da celeridade e da presunção de inocência. […] Eu já nem me preocupo mais com essa lei, mas com o convite que pode se fazer para que o legislador a atualize para introduzir novos fatos e situações casuísticas.”

Celso de Mello

“É necessário banir da vida pública pessoas desonestas, mas é preciso respeitar as regras da Constituição. […] A Câmara e o Senado não podem transgredir, seja por projeto de iniciativa popular ou emenda constitucional, o núcleo de valores da Constituição que confere identidade à Carta da República, aquele núcleo de valores cuja eventual transgressão pode resultar em virtual aniquilação da própria identidade constitucional.”

Cezar Peluso

“O que se quer preservar é a condição do réu, enquanto não for julgado, de não ser tratado como era antes da Revolução Francesa, como coisa. […] O réu é uma coisa sagrada e, enquanto não for condenado, nenhuma medida restritiva pode ser tomada enquanto não houver uma atitude de caráter definitiva.”