De Villa-Lobos a Michel Teló, um Brasil que ignora o talento e cultiva o brega

    (*) Ucho Haddad –

    Até pouco tempo atrás, o Brasil era conhecido como “república das bananas”. Ao pé da letra isso não mais acontece, pois até banana está inviável de se produzir por aqui. Mas o fato de estarmos importando a fruta não significa que perdemos o galhofeiro título. O Brasil, mesmo sem suas bananas, continua sendo uma extensa e persistente “república das bananas”. Gostem ou não os nativos!

    O termo “república das bananas”, cunhado pelo humorista norte-americano William Sydney Porter (cujo pseudônimo era O. Henry), foi dedicado a Honduras, onde empresas ianques que se dedicavam à exportação de banana queriam interferir na política local. E conseguiram com certa facilidade. A partir de então, o termo passou a significar, de forma pejorativa, um país instável politicamente e dominado pela corrupção e opressão.

    Se no âmbito político o Brasil não se encaixa nesse cenário com precisão de relojoeiro, com um empurrãozinho certamente chega lá. Afinal, corrupção e opressão sobram em qualquer esquina dessa terra de ninguém. Contudo, o pior acena quando o termo “república das bananas” é dedicado a uma nação que manda às favas a sua história cultural, ignorando talentos e incensando gênios (sic) de ocasião.

    Há dias, parado no trânsito paulistano, deparei-me com uma cena que não apenas me envergonhou pelo fato de ser brasileiro, mas me fez viajar no tempo e voltar pouco mais de trinta anos na minha história. Os anos 80 começavam a engatinhar quando coloquei os pés no Velho Mundo pela segunda vez. Naquele início de década, minha chegada à Europa se deveu a questões profissionais.

    Semanas depois de minha “estreia” em solo estrangeiro, enfrentei a primeira “saia justa” europeia. Jornalistas de lá cobraram explicações sobre uma foto publicada na capa de um dos mais importantes jornais do continente. Tratava-se de meia dúzia de brasileiros, enfileirados e amarrados uns aos outros por uma corda que dava voltas no pescoço de cada um. De acordo com a legenda da foto, os brasileiros tinham sido presos por algum delito cometido. O que não justifica a forma degradante como foram tratados. E a pergunta dos gringos, por motivos óbvios, ficou sem resposta.

    Com aquela constrangedora situação martelando o meu pensamento, acabei salvo por uma apresentação do saudoso e genial Baden Powell. O violonista aterrissou em Milão para um show que lotou o Teatro Nazionale. A lotação do teatro foi a minha rendição. Afinal, o Brasil não poderia ser visto apenas e tão somente como um país em que os transgressores da lei são presos como animais.

    Deixando de lado a minha temporada europeia e voltando à dura realidade brasileira, relato o que vi. Como fiel observador do cotidiano, em uma das nossas tantas esquinas vi a reprodução agigantada da capa de badalada revista nacional, espécie de bíblia de descolados e poderosos. Na capa estava a chamada para uma entrevista com Michel Teló, que ganhou o planeta com o hit brega “Ai se eu te pego”, como se fosse uma ode ao talento e à criatividade. Se na Europa enfrentei “saia justa”, aqui senti enorme vergonha. É verdade que gosto não se discute – e muito menos se impõe –, mas uma publicação que flana no rótulo de formadora de opinião não pode cometer tamanho acinte.

    Muitos podem não compreender a minha vergonha, mas para tudo há uma explicação. Enquanto esse meteórico Michel Teló ocupa as manchetes e invade a programação de nove entre dez emissoras de rádio verde-louras, o Brasil deveria estar comemorando os 125 anos de nascimento do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (05.03.1887 – 17.11.1959), um dos grandes nomes da música nacional. Isso só não acontece porque nove entre dez brasileiros não sabem quem foi Villa-Lobos.

    Não se trata de querer que as rádios passem a tocar “Bachianas Brasileiras” ou “Uirapuru” o tempo todo, mas que o Brasil deixe de ser uma “república das bananas” em termos históricos e culturais, pois essa ignorância pasteurizada e contínua só serve aos ditadores.

    Para o meu azar, Baden, amigo que fiz no Rio de Janeiro, não mais está por aqui para me salvar novamente.