Ucho Haddad –
Quando o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder central com a eleição de Luiz Inácio da Silva em 2002, após três fracassadas tentativas, alertei para o perigo de o Brasil passar por um perigoso processo de “cubanização”. Repetir no País a sanguinária ditadura comandada pelos irmãos Castro é algo não tão simples, pois a grandiosidade do território nacional e a mediana maturidade da democracia brasileira dificultam a ação. Mas é preciso estar atento ao projeto de poder longevo do PT, que busca imitar o Partido Revolucionário Institucional (PRI), ligado à Internacional Socialista e que durante oito décadas se manteve de forma hegemônica e fraudulenta no comando político do México.
Para provar a nocividade da “ditadura perfeita” (termo utilizado pelo peruano Mario Vargas Llosa para se referir ao PRI) que o PT tenta instalar no Brasil, cientistas políticos – que por dever de ofício deveriam frequentar a seara da isenção – começam a trabalhar a favor de candidatos petistas, destilando opiniões contrárias aos adversários da legenda, mesmo que de forma transversa, quando na verdade tais análises deveriam ser geradas a partir de uma visão macro.
No caso da candidatura do petista Fernando Haddad, que foi alvejada pela decisão de José Serra de participar da sucessão paulistana, alguns cientistas políticos tentam turbinar a tese de que o candidato tucano, em caso de vitória, deixará a prefeitura antes do final do mandato. Serra terá de conviver com esse estigma, que resulta da sua decisão de deixar o comando da maior cidade brasileira para concorrer, em 2006, ao Palácio dos Bandeirantes.
O primeiro dardo lançado contra a candidatura de Serra diz respeito a um suposto medo do PSDB de apostar na renovação de seus quadros. Para tal, os cientistas políticos usam como exemplo a decisão do PT e do PMDB de lançarem candidatos novos, quiçá não sejam ilustres desconhecidos. Em relação ao PMDB, essa opção pela mudança só é viável porque Orestes Quércia passou para o outro lado da vida. Do contrário, a situação peemedebista em todo o estado de São Paulo seria diferente. E não se pode imaginar que o “coroinha” Gabrilel Chalita seja o candidato dos sonhos dos paulistanos.
No caso do PT, o único nome com chances de concorrer ao trono da Pauliceia era o de Marta Suplicy, que tem um discurso regionalizado, ao contrário do viés de nacionalização que o Planalto tenta aplicar à candidatura de Haddad. A eleição para a prefeitura de São Paulo será decidida por questões meramente municipais, mas as consequências poderão, sim, ser nacionais.
O calcanhar de Aquiles da senadora petista é exatamente o mesmo que, segundo os cientistas políticos, aflige Serra. O elevado índice de rejeição. Marta Suplicy foi alijada da disputa porque seu “companheiro” Lula quer manipular o processo, também em benefício próprio. Ciente de que Fernando Haddad não está à altura das necessidades da maior cidade do País, Lula quer transformar o ex-ministro da Educação em uma espécie de atalho para garantir o projeto petista de poder, no qual o ex-presidente se inclui em todos os capítulos.
O mesmo faz o PSDB com José Serra, que havia garantido que não disputaria a eleição municipal deste ano. O ex-governador de São Paulo só concordou em participar da sucessão de Gilberto Kassab por questões partidárias. Os cientistas políticos afirmam que o tucanato mudou os planos a partir da possibilidade de uma nova derrota, mas na verdade o que aconteceu foi um ato de coragem diante da perpetuação de um modelo totalitarista que avança a passos largos, sem que a sociedade se incomode com isso.
A diferença entre o PT e o PSDB está na forma como ambas as legendas se comunicam com a sociedade. O PT melhorou o diálogo com diversos setores da sociedade porque a herança deixada por Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso permitiu esse tipo de ação. Quando interessa, petistas abrem as portas para setores representativos da sociedade, como se um gabinete oficial fosse uma mesa de pôquer, onde prevalece o desejo de arriscar e a necessidade de blefar. Ou seja, entre o que o PT promete e aquilo que cumpre há uma abissal diferença. A grande questão em relação ao PT está na incapacidade de investir e gerir os investimentos. De nada adianta um orçamento bilionário, se o Planalto corta investimentos a toda hora, enquanto amplia os limites da partidarização da máquina federal. E o fiasco que ronda a Copa do Mundo, para não citar outros exemplos, é a prova maior dessa conhecida incompetência.
Quando ordena a ministros e assessores que setores da sociedade sejam ouvidos, o PT palaciano não pensa no bem estar do País, mas na manutenção do staus quo da opinião pública, sempre amestrada pelas esmolas sociais, como forma de garantir o avanço perigoso de um projeto que tem como objetivo a perpetuação no poder e a limitação da liberdade do indivíduo. Isso ficou claro na isenção tributária que teve como nascituro o ano de 2008, beneficiando o setor automobilístico, de eletroeletrônicos e da construção civil. Prevaleceu nesse caso a teoria do “panis et circenses”, expressão criada pelo poeta Juvenal, no século I, e utilizada pelos adversários dos imperadores romanos – a começar por Júlio César – para criticar a prática de distribuir trigo e entradas para espetáculos circenses como forma de distrair a atenção do povo e calar o espírito crítico da massa em relação a métodos políticos nada democráticos.
Os analistas políticos, que deveriam balizar a opinião dos eleitores, são reféns de ideologias, para não dizer que são tendenciosos. Alegam esses supostos donos da verdade que José Serra é ligado a Gilberto Kassab, cuja aprovação gira na casa de 20%. Serra e Kassab são conhecidamente parceiros, mas o PT estava flertando com o prefeito paulistano. O namoro só não deu certo porque os petistas demoraram demais para tomar uma decisão. Agora, qualquer ilação sobre o apoio de Kassab a Serra é no mínimo missa encomendada.
As lideranças políticas envelheceram e uma renovação é necessária, desde que os velhacos saiam de cena e também dos bastidores. Enquanto isso não acontecer, qualquer movimentação partidária é válida por questões de sobrevivência política.
Os cientistas políticos afirmam que Serra é ligado ao atual prefeito de São Paulo, mas o Palácio do Planalto tenta conquistar o apoio do PSD, partido de Kassab, no Congresso Nacional. Gilberto Kassab declarou apoio a Serra de olho em 2014, mas disse aos petistas que o tucano é a favor de Dilma Rousseff e contra Aécio Neves. Verdade ou não, há um incesto político cruzado nesse caso.
Passemos, então, aos adversários de Serra. O pagodeiro comunista Netinho de Paula, conhecido espancador de mulheres, é filiado ao PCdoB, partido que integra a base de sustentação ao governo petista e que tem em suas fileiras o ex-ministro Orlando Silva Jr., que usou um dos cartões de crédito corporativos para pagar, com dinheiro público, uma tapioca e as despesas de viagem de sua família ao Rio de Janeiro.
Gabriel Chalita é ligado ao governador Geraldo Alckmin, a quem serviu em mandato anterior como secretário de Educação. Chalita foi quem fez a interface de Dilma com a comunidade católica por ocasião da declaração da então candidata à presidência sobre a legalização do aborto. O candidato é presidente do capítulo paulistano do PDMB, principal partido da base de apoio ao governo do PT, que por conta disso controla quatro ministérios (Minas e Energia, Agricultura, Previdência Social, Turismo), além da Secretaria de Assuntos Estratégicos. O PMDB, para quem não se recorda, é o partido do vice-presidente Michel Temer. É também a legenda do ex-ministro Wagner Rossi, que foi ejetado da pasta da Agricultura por causa de transgressões escandalosas. O PMDB abriga em seus quadros Pedro Novais, maranhense refugiado no Rio de Janeiro, que foi escorraçado do Ministério da Agricultura no vácuo de acusações graves. O PMDB é o partido do líder de todos os governos (e o de Dilma também) Romero Jucá, acusado por um lobista de ter usado seu nome para registrar uma emissora de televisão e um apartamento. O PMDB, apenas para clarear a memória dos leitores, mantém em seu topo figuras como José Sarney (o dos atos secretos e outros não tão secretos), Renan Calheiros (do lobby que envolveu uma amante e rendeu uma filha fora do casamento) e companhia bela, para economizar palavras.
Outro candidato à prefeitura de São Paulo é Celso Russomanno, que recentemente deixou, por questões estratégicas, o Partido Progressista, legenda do polêmico Paulo Maluf, cujo currículo dispensa maiores comentários. O PP, para não alongar a análise, é a velha e direitista Arena, que nos tempos da ditadura militar serviu ao caudilho maranhense José Sarney. O PRB é o partido do senador licenciado e líder evangélico Marcelo Crivella, que ao assumir o Ministério da Pesca disse “não saber colocar uma minhoca no anzol”.
Fernando Haddad acabou candidato do PT por imposição de Lula, que luta para não sair da cena política após deixar o Palácio do Planalto. Haddad ganhou notoriedade como ministro da Educação devido aos escândalos que marcaram o Enem. Criado para acabar com a desigualdade que marcava os vestibulares em todo o Brasil, o Enem foi transformado em vestibular com a chancela petista. Recentemente guindado ao Ministério da Educação, o “companheiro” Aloizio Mercadante afirmou que o Enem precisa ser melhorado e que exige um desafio de logística. Para piorar a situação do candidato do PT, Mercadante disse que o Ministério não pode ser culpado pelas dimensões continentais do País.
Como paulistano autêntico – nascido às margens do riacho do Ipiranga – e com três décadas de convívio profissional com nossa sempre nefasta política, por questões óbvias sonho com o melhor para a minha cidade natal, que por suas mazelas e complexidades há muito deixou de ser o lugar ideal para se viver. Analisados pelo prisma curricular, todos os candidatos têm defeitos e qualidades. José Serra por certo não é o objeto do desejo de parte do eleitorado paulistano, mas não é um paraquedista arremessado a esmo sobre uma massa que que cada vez mais se assusta com os lampejos ditatoriais que emanam do Planalto Central.
Resumindo, Serra pode ser considerado como o candidato “menos pior”, levando-se em conta a atual conjuntura política e o desenho de futuro que ameaça a democracia. Mesmo que considerada como ciência, a política é um jogo, principalmente de interesses. E só joga quem conhece as regras do jogo, normalmente sujo. Sendo assim, salvo algumas raríssimas exceções, análise política é como terno. Faz-se sobre encomenda no alfaiate da esquina mais próxima.