Pólos opostos – Quando o assunto é poder ou Estado, o cidadão deve estar preparado para um show de incoerência. Como sempre afirmamos, cobrar coerência no mundo político é a mais hercúlea das tarefas, quiçá não seja um desafio impossível.
Nesta sexta-feira, 13 de abril, entrou em vigor a Lei 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e dá prioridade a meios de transporte não motorizados e ao serviço público coletivo, além da integração entre os modos e serviços de transporte urbano.
A nova lei prevê mecanismos para melhorar a mobilidade urbana nas grandes cidades, como a restrição da circulação de automóveis em horários predeterminados, como já acontece na cidade de São Paulo. Permite também a cobrança de tarifas para a utilização de infraestrutura urbana, espaços exclusivos para o transporte público coletivo e para meios de transporte não motorizados, além de estabelecer políticas para estacionamentos públicos e privados. O texto pontua os direitos dos usuários do transporte urbano, como o de ser informado sobre itinerários, horários e tarifas dos serviços nos pontos de embarque e desembarque. Na teoria o discurso é uma ode à perfeição, mas na prática o politicamente correto desmorona.
Para o coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade, Nazareno Stanislau Affonso, a nova legislação coloca o Brasil dentro da visão de mobilidade sustentável. “Atualmente, a política de mobilidade do país dá prioridade ao uso do automóvel, que é uma proposta excludente. O que essa lei fala é que agora a prioridade deve ser dada a veículos não motorizados, a calçadas, ciclovias, ao transporte público e à integração do automóvel a um sistema de mobilidade sustentável”.
Segundo ele, a aplicação da lei também vai depender da pressão dos usuários para que os governos locais de fato mudem a sua política, e o automóvel seja integrado de forma mais racional. “Quem tem carro vai perder privilégios e quem usa transporte público vai ganhar direitos”.
Pois bem, entre o que Nazareno Affonso pensa e diz e o que acontece no Brasil tem uma enorme diferença. De nada adianta o Legislativo produzir leis, posteriormente sancionadas pelo Executivo, se o governo age na contramão daquilo que prega.
Quando o então presidente Luiz Inácio da Silva anunciou benesses tributárias para o setor automotivo, o ucho.info alertou para a necessidade de o governo destinar parte dos tributos arrecadados para a melhoria do sistema viário das grandes cidades brasileiras, que em breve seriam inundadas por enxurradas de carros novos. Como no Brasil a tramela entra em cena depois da porteira arrombada, agora as autoridades buscam soluções para algo que poderia ser evitado se houvesse no dicionário oficial o vernáculo “planejamento”.
O pacote de bondades direcionado à indústria automobilística se deu por dois motivos: Lula tinha uma dívida moral com os pretéritos companheiros do Sindicato dos Metalúrgicos e precisava minimizar de alguma maneira os efeitos da crise financeira que nasceu a partir do escândalo do “subprime” norte-americano. E o resultado pode ser conferido nas ruas e avenidas das grandes capitais brasileiras, sempre palco de congestionamentos intermináveis.
Engana-se quem pensa que a tal lei, que passa a valer nesta sexta-feira, trará soluções às questões da mobilidade urbana. Na verdade, a Lei 12.587/2012 corre o sério risco de se transformar em um entulho legislativo, pois enquanto Nazareno Affonso afirma ser excludente a proposta do uso do automóvel, o Palácio do Planalto aposta no consumo interno como forma de minimizar as consequências da crise econômica que atormenta a União Europeia. E essa aposta passa obrigatoriamente pela venda maciça de carros novos. Ou seja, se nada de prático e efetivo for eito para melhorar a mobilidade urbana os grandes centros, a tal lei desde já pode ser traduzida como enxugar gelo. Como disse certa feita o sempre messiânico Lula da Silva, “nunca antes na história deste país”.