Disputa pela prefeitura de SP mostra que coerência e ideologia estão em extinção no mundo político

Sem encaixe – Política é o exercício da incoerência, queiram ou não os seus operadores. Quando interesses pessoais estão em jogo, não importa o que pensa o eleitor. Primordial é conseguir uma costura política que proporcione a alegria de uma minoria sempre privilegiada.

Durante anos a fio, Lula e Fernando Collor, por exemplo, foram inimigos figadais, com direito a troca de xingamentos de baixo calão. Nos dias atuais, por conta dos interesses de ambos, esqueceram o passado e agem como amigos fiéis e de longa data. O mesmo Collor não pensou duas vezes para ofender a honra de José Sarney, a quem sucedeu na presidência após derrotar Lula, mas hoje, no Senado, troca tapinhas nas costas com o coronel da política maranhense. O próprio Lula, que em tempos outros ofendia Sarney e seu clã, só não foi alvo de impeachment por causa da intervenção do atual presidente do Senado. E cada vez mais Lula e Dilma dependem da boa vontade do senador pelo PMDB do Amapá.

Contudo, o melhor e mais gritante exemplo dessa incoerência surge em ano eleitoral, ocasião em que políticos deixam de lado a ideologia e partem para o escambo sem qualquer dose de vergonha.

Filhote da ditadura, Paulo Maluf sempre foi a personificação de tudo o que Lula condenou nos tempos de oposição. Agora, com Fernando Haddad empacado com sua campanha à prefeitura de São Paulo, Lula tornou-se aliado de Maluf, que recebeu o ex-metalúrgico em casa com direito a abraços, fotos e algumas garrafas do caro vinho francês Romanée Conti, um dos prediletos do ex-metalúrgico.

Alijada da disputa por imposição de Lula, a ex-prefeita e agora senadora Marta Suplicy disse que sente urticária ao ouvir o nome de Maluf, que em 2004 lhe deu apoio em sua tentativa de reeleição.

Sem Luiza Erundina na chapa de Haddad, a saída encontrada pelo PT foi buscar um candidato a vice no PCdoB, que interrompeu o sonho eleitoral de Netinho de Paula e indicou Nádia Campeão para a vaga. Conhecido por espancar sua ex-esposa, o comunista Netinho subirá no palanque de Haddad e Nádia, o que deve causar problemas e constrangimentos à dupla. O PCdoB, que sempre criticou Maluf, classifica normal a aliança com um dos procurados pela Interpol.

O mais estranho nessa amarração política está em outro detalhe. Responsável pela prisão de Paulo Maluf, o delegado federal licenciado e deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB), eleito no vácuo do palhaço Tiririca, subirá junto com o ex-prefeito paulistano no mesmo palanque para apoiar Fernando Haddad. Tudo no melhor estilo bandido e mocinho. E não causará surpresa se trocarem afagos.

Liderando as pesquisas de intenção de voto, o tucano José Serra também tentou atrair Paulo Maluf, mas perdeu a disputa por não ter o que oferecer em troca. Para fechar com o PT de Lula, o articulado Maluf ganhou do Palácio do Planalto um cargo no Ministério das Cidades. Serra, que ainda não perdeu a esperança de chegar à presidência da República, trouxe um pouco de Dilma Rousseff para a sua campanha rumo ao trono paulistano. O seu vice, já oficializado, é Alexandre Schneider, filiado ao PSD, partido do prefeito Gilberto Kassab e que no Congresso Nacional constantemente dispara salamaleques na direção de Dilma Rousseff. Prova maior foi a recente declaração da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) em defesa da reeleição de Dilma.

Em outro vértice da disputa paulistana, o PSDB terá um aliado como adversário. Na verdade, trata-se de uma adversária, Soninha Francine, escolhida como candidata do PPS, partido que no Congresso Nacional engrossa as fileiras da oposição ao lado de tucanos e democratas, que também aderiram à campanha de Serra.

Afilhado político do tucano Geraldo Alckmin, a quem serviu como secretário da Educação, o deputado federal Gabriel Chalita migrou para o PMDB e no Congresso faz as vontades do PT, de quem também será adversário na capital dos paulistas. Candidata a vice na chapa de Chalita, a médica Marianne Pinotti é filha do falecido José Aristodemo Pinotti, ex-deputado federal pelo Democratas, ex-secretário de Kassab e aliado do PSDB.

Resumindo, ideologia política é mercadoria em extinção e de agora em diante somente em livros sobre o tema, em breve também raros.