Corinthians: do rebaixamento ao bando de loucos, a conquista da América foi uma homenagem ao possível

    (*) Ucho Haddad –

    No dia em que o Corinthians sagrou-se campeão das Américas, a manhã rompeu diferente. O silêncio das primeiras horas foi interrompido pelo espocar de rojões que teimosamente apostavam em algo confirmado horas depois. Não gosto de comemorações antecipadas, por maiores que sejam as evidências, pois futebol está longe de ser uma ciência exata. Mesmo assim, a Pauliceia Desvairada transpirava vitória, exalava o perfume do triunfo, prometia a realização de um sonho de muitas décadas. Tudo conspirava a favor para que o dia terminasse em branco e preto. Assim aconteceu: iluminada por todas as cores e crenças, a noite desfilou alvinegra.

    No prefácio da derradeira peleja a maior cidade brasileira parou. Não parou por completo, mas havia no ar uma letargia consentida. Corintianos contavam as horas, os adversários de sempre contavam vantagens. Só mesmo o Corinthians seria capaz de um feito como esse. Uma espécie de toque de recolher antes da batalha final. São Paulo parou e deu passagem a São Jorge, o protetor de todas as horas do campeão dos campeões.

    São Paulo ressurgiu no “day after” com todas as cores do branco e preto. Ao som do “é campeão”, despertou no embalo de uma paixão inexplicável. Paixão de um bando de loucos que invadiu o Pacaembu e, sob o grito de “vai Corinthians”, fez o gigante Boca Juniors apequenar-se. Se de fato o universo conspira a favor, ontem foi o dia. Como sempre digo e não canso de repetir, se for para perder que seja para uma equipe grande e com história respeitável. E quando ganha-se de uma equipe com esse perfil, a vitória tem um sabor que só os deuses conhecem.

    Torcer pelo Corinthians é uma deliciosa loucura. É um teste cardíaco com começo e sem fim. É uma declaração de amor incondicional. É a garantia do sono dos justos. Um dia fiz parte desse bando de loucos, loucos por ti Corinthians. Na verdade, torcia com fervor quando essa história de bando de loucos ainda não existia. Não que tenha deixado de torcer, pelo contrário, mas hoje uso o comedimento até mesmo diante do time do coração.

    Há quem diga que abuso da frieza em alguns casos, mas a experiência da vida me ensinou a agir dessa forma. Por ser ranzinza quando o assunto é coerência, muitas foram as vezes que escrevi contra o Corinthians. E assim o fiz também por amor ao clube, mas sempre respeitando a minha devoção pela coerência. Jamais escreveria a favor apenas para tapar o sol com a peneira. Prefiro a dureza da verdade à decepção da mentira.

    Se o bando de loucos empurrou o alvinegro paulistano no lendário Pacaembu em sua tão sonhada conquista, esse mesmo grupo de fanáticos torcedores serviu como inspiração para a reflexão que ora transformo em palavras.

    Na noite do dia 2 de dezembro de 2007, um sábado, no saguão de um hotel da capital gaúcha, encontro-me com Andrés Sanchez, que semanas antes havia estreado como presidente do alvinegro paulistano. Alçado ao comando do clube no rastro da queda do polêmico Alberto Dualib, o novo presidente corintiano ainda acreditava ser possível evitar o rebaixamento.

    Com o coração de lado e tomado apenas pela razão, disse a Andrés que o melhor para o Corinthians, e também para ele, seria recomeçar. Querer consertar os estragos provocados pelo antecessor decerto seria um esforço em vão. Ciente de que minhas palavras eram lógicas, Andrés não ousou contestar-me. Sorveu o último gole de uísque, cumprimentou o goleiro Felipe e subiu para o quarto. Horas depois, no domingo, ao empatar com o Grêmio no Estádio Olímpico, o Corinthians escreveu o mais triste capítulo de sua história centenária. Foi arremessado à segunda divisão do futebol brasileiro.

    Melhor assim, pois na Série B o clube seria – como de fato foi – a estrela maior da competição e receberia o maior quinhão dos valores pagos pela transmissão das partidas. Estar na “segundona” ajudou o Corinthians a se reerguer, sem remendos e rapapés. Fez com que seus dirigentes apostassem em uma gestão absolutamente profissional e dessem ao departamento de futebol do clube uma versão contemporânea. Assim foi, com reforços estelares se misturando a ousadas estratégias de marketing. E vice-versa também. Era preciso apostar tudo para reverter o nada. A história do Sport Clube Corinthians Paulista clamava por isso. Sua torcida também. Afinal, “teu passado é uma bandeira, teu presente, uma lição”.

    Naquele fatídico final de semana, em Porto Alegre, o Corinthians começou sua caminhada rumo à conquista da Copa Libertadores da América, título que faltava no currículo do clube e obrigava seus torcedores ao silêncio diante dos chistes dos adversários. Em relação ao primeiro passo dessa caminhada jamais tive dúvidas, pois no Olímpico vi a torcida alvinegra dar um enorme voto de confiança à equipe. Foi na tragédia anunciada que a história do “bando de loucos” ganhou força e definitivamente tomou conta das arquibancadas pelo Brasil afora.

    Nas últimas horas, a mídia verde-loura procurou eleger um personagem para representar a conquista da Libertadores. Por certo o talento incontestável fez de Adenor Leonardo Bacchi, o Tite, o mais votado entre os especialistas no esporte bretão, mas minha modesta opinião caminha na direção contrária, na direção do todo, não da parte. O mérito por pintar a América de branco e preto é da crença de um grupo que apostou suas próprias forças no jogo do possível. Do porteiro ao presidente, do roupeiro ao treinador, do massagista ao centroavante, do zagueiro ao torcedor. Dos que chegaram para ficar, dos que vieram e disseram adeus. Alguns graças a Deus! Venceu um projeto, triunfou o lado viável da ousadia, prevaleceu a pujança do sonho.

    No bando cada louco achou que era pouco, cantou até ficar rouco, cantou para empurrar aquele que não pode mais parar de lutar. “Vamo, vamo meu Timão”, pois parte do Brasil é um bando de loucos, loucos por ti Corinthians!