Bóson de Higgs: o que é, o que faz e para que serve

Pingos nos is – Um dos maiores desafios da ciência pode estar chegando ao fim. Cientistas que participam dos experimentos no Grande Colisor de Hádrons (LHC) anunciaram nesta quarta-feira (04/07) ter encontrado fortes indicativos da existência de uma nova partícula subatômica, que pode ser o bóson de Higgs.

Procurado há quase meio século pelos físicos, o bóson de Higgs é uma chave fundamental para entender por que partículas elementares têm massa e poderá levar até mesmo a uma nova compreensão da origem do Universo e da vida. O bóson é até o momento uma partícula hipotética postulada em 1964 pelo físico britânico Peter Higgs.

A descoberta do bóson seria a completa validação do Modelo Padrão da física de partículas, teoria que descreve as forças fundamentais forte, fraca e eletromagnética, bem como as partículas fundamentais que constituem toda a matéria.

O anúncio foi feito por cientistas que participam das colaborações Atlas (A Toroidal LHC Apparatus) e CMS (Compact Muon Solenoid), conduzidas no LHC da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça. Os dois experimentos contam com a participação de pesquisadores do Brasil.

“Acho que encontramos”, disse Rolf Heuer, diretor-geral do Cern, que chamou a descoberta de “marco histórico”. Tanto físicos de partículas do Atlas como do CMS encontraram indicações da presença de uma nova partícula com massa em torno de 125 ou 126 bilhões de elétrons-volt (GeV). O próprio Higgs, aos 83 anos, estava no Cern durante o anúncio.

As indicações da nova partícula foram identificadas a partir da análise de trilhões de colisões entre partículas realizadas no LHC em 2011 e 2012. O Modelo Padrão da física de partículas estipula que o bóson de Higgs decairia em diferentes partículas, justamente o que o LHC acaba de detectar.

Análises detalhadas da descoberta serão apresentadas no decorrer desta semana na Conferência Internacional de Física de Altas Energias (ICHEP 2012), em Melbourne, Austrália.

Cautela e confirmação

De acordo com Sérgio Novaes, coordenador do Sprace (Centro de Pesquisa e Análise de São Paulo) e professor do IFT (Instituto de Física Teórica) da Unesp, a comprovação da descoberta do bóson de Higgs ainda levará algum tempo. “Apesar de os eventos sugerirem que estejamos diante do bóson de Higgs, a confirmação de que se trata realmente da partícula predita pelo Modelo Padrão requer mais medidas comparativas”, disse.

O bóson de Higgs é uma partícula instável, que sobrevive por uma pequena fração de segundo antes de decair em outras partículas. Por conta disso, as experiências só podem observar tal partícula pela medida dos seus produtos.

Em 1967, o mecanismo teórico estipulado por Higgs foi incorporado pelo físico norte-americano Steven Weinberg em uma teoria para explicar as partículas elementares do Universo, denominada Modelo Padrão. Segundo o modelo, o Universo foi resfriado após o Big Bang, quando uma força invisível, conhecida como campo de Higgs, formou-se junto de partículas associadas, os bósons de Higgs, transferindo massa para outras partículas fundamentais.

Desde o lançamento da teoria, os cientistas buscam descobrir a partícula, cujos sinais da presença dela são extraídos de uma grande quantidade de dados similares e a partir da produção de um grande número de eventos para se certificar da descoberta.

“É como tentar encontrar, literalmente, uma agulha no palheiro. É extremamente complexo extrair o sinal da existência da partícula”, disse Novaes. Segundo ele, a busca pela partícula só é possível de ser realizada graças ao desenvolvimento de novas tecnologias em diversas instituições de pesquisa em todo mundo.

“Os novos dados de 2012 e os dados gerados pelo acelerador melhorado permitirão aos cientistas investigar as questões sobre o Higgs levantadas pelo anúncio de hoje (04/07), bem como outras questões fundamentais para o avanço do conhecimento sobre a natureza”, disse comunicado do experimento Atlas.

Para se encontrar as partículas elementares, dois prótons, elementos formadores dos núcleos dos átomos junto aos nêutrons, são acelerados com um alto nível de energia e se chocam. Nessa colisão, podem ser formadas partículas pesadas (com alto nível de energia). Esse conjunto de elementos formados constitui um evento.

Impactos da descoberta

De acordo com Sergio Morais Lietti, pesquisador do Sprace, a descoberta da partícula foi possível em função do acúmulo de dados gerados e ao aumento da carga de energia do LHC nos últimos anos.

“Quanto mais energia há no centro de massa entre os prótons no acelerador, maiores também são as chances de se produzir bóson de Higgs”, disse Lietti à Agência FAPESP. Segundo ele, a eventual confirmação da nova partícula como bóson de Higgs não representará o fim dos estudos sobre a física de partículas, mas sim um começo de trabalhos de pesquisa na área.

Se for confirmado que a partícula é o bóson de Higgs, destaca Lietti, será preciso estudá-la com grande precisão e estatística para aprimorar o Modelo Padrão.

Apesar de ser considerada extremamente bem-sucedida por prever uma série de fenômenos físicos que foram observados experimentalmente, além de outros que até então não tinham sido observados, a teoria, proposta na década de 1960, ainda apresenta lacunas. Uma delas é não se preocupar em descrever a força gravitacional, que é muito mais fraca do que as outras duas forças fundamentais (a forte e a fraca).

Se for descartada a hipótese de que a partícula é o bóson de Higgs, será preciso rever o Modelo Padrão. “Se a partícula for completamente diferente do bóson de Higgs, melhor ainda. Significará que o Modelo Padrão precisa sofrer ajustes”, avaliou Lietti.

Histórico

A teoria vem sendo testada desde que foi postulada em diversos aceleradores de partículas que foram construídos nas últimas décadas, como o LHC do Cern, que foi projetado ao custo de US$ 10 bilhões para aumentar as chances de descoberta do bóson de Higgs.

Em 1983, foram descobertas no acelerador SPS do Cern os bósons Z e W, previstos pelo Modelo Padrão. E, em 1989, foi criado na instituição de pesquisa o Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons (LEP), com o objetivo de produzir diversos bósons Z para possibilitar estudar as características da partícula com precisão, para aprimorar a teoria.

Em 1967, foi construído o acelerador de partículas Tevatron no Fermilab, nos Estados Unidos, que é maior do mundo depois do LHC. Nele, foi descoberto na década de 1990 o quark top – outra partícula elementar prevista pelo Modelo Padrão, que representou a última grande descoberta na área de física das partículas.

O bóson de Higgs representa a última peça para completar o “quebra-cabeça” do espectro de partículas descritas pelo Modelo Padrão e que poderá ser completado com a descoberta da nova partícula. “A descoberta anunciada agora pode ser a mais importante da física de partículas nos últimos 40 anos”, disse Lietti.

Em outras palavras, procurado há quase meio século, a partícula subatômica será fundamental para a compreensão da origem do Universo.