Ricardo Lewandowski esquece a toga de ministro do STF e atua como advogado de João Paulo Cunha

Apagão jurídico – O Brasil foi repentinamente transformado em palco de decisões judiciais absurdas, o que coloca o Estado democrático de direito sob risco iminente. Com o julgamento do Mensalão do PT dominando o noticiário nacional, até porque a sociedade espera uma punição exemplar que salve o País da nefasta onda de corrupção e impunidade, as mazelas do Judiciário surgem com facilidade assustadora e derrubam a folclórica formalidade que escapa das togas peçonhentas e esvoaçantes. Há quem diga que interpretações díspares sobre um mesmo tema representam antagonismo de doutrinas, mas a realidade é diferente e tenebrosa.

Relator do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa encontrou provas suficientes para condenar quatro dos acusados no maior escândalo de corrupção da história nacional: João Paulo Cunha, Marcos Valério Fernandes de Souza, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Todos envolvidos em um esquema que desviou dinheiro público da Câmara dos Deputados. Em seu voto, Barbosa replicou o entendimento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não facilitando a vida dos réus. O ministro-revisor Ricardo Lewandowski, por sua vez, preferiu inocentar o quarteto por falta de provas. Em outras palavras, o que Barbosa e Gurgel enxergam com facilidade, Lewandowski não vê. Não se sabe se por visão turva ou olhar encomendado.

A repentina cegueira de Lewandowski faz a opinião pública suspeitar da ligação de sua família com a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que o teria apadrinhado em sua escalada ao Supremo. O ministro tem sido alvo de acusações de toda ordem, algumas das quais injustas e outras difíceis de provar, mas, independentemente do que vociferam os indignados, nenhum caso como o mensalão pode ter decisões tão antagônicas. Não se trata de discordar de uma opinião divergente, mas de rasgar o conceito básico do Direito e produzir interpretações opostas acerca de um crime que conta com um cipoal de provas inquestionáveis. Ao contrariar a lógica do Direito o ministro Ricardo Lewandowski ingressa na seara da suspeição, por sua obra e graça.

Lewandowski citou, de forma rebuscada e cansativa, inúmeros juristas para justificar seu surpreendente voto em favor dos réus, o que já era esperado. Contudo, ainda como ministro, Ricardo Lewandowski não pode ignorar a confissão inicial do próprio João Paulo Cunha, que por ocasião do escândalo reconheceu ter recebido dinheiro do esquema criminoso comandado por Marcos Valério. Como se não bastasse, João Paulo mentiu ao dar desencontradas explicações para o fato. De chofre, o então presidente da Câmara dos Deputados disse que sua esposa, Márcia Milanésia da Cunha, que recebeu o dinheiro em seu nome, fora ao banco pagar faturas de empresa de televisão a cabo. Uma desmedida ode à mitomania. Meses mais tarde, ao perceber que a esfarrapada desculpa não emplacava, o petista alegou que o dinheiro foi utilizado na contratação de pesquisas de opinião em Osasco, seu reduto eleitoral. Outra monumental inverdade.

Em dado momento, durante a leitura do voto, Ricardo Lewandowski chegou a citar o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, a quem teceu loas rasgadas e excessivas, apenas para dar sustentação à vergonhosa defesa que fez de João Paulo Cunha. Possivelmente com inenarráveis motivos para tomar tão esdrúxula decisão, Lewandowski não pode, nem mesmo no mais absurdo dos devaneios, querer provar à sociedade que Joaquim Barbosa e Roberto Gurgel sofrem de incompetência crônica. O próprio ministro da Justiça, incensado por Lewandowski, reconheceu a existência do Mensalão do PT e sugeriu a punição dos envolvidos.

Ruim de mira e com vocação para tiros pela culatra, o ministro-revisor usou tese contrária para condenar Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil e também acusado de envolvimento no Mensalão do PT. Pizzolato foi condenado porque autorizou contratos bisonhos do BB com a agência de Marcos Valério, mas atitude idêntica tomada por João Paulo Cunha foi considerada normal e não passível de condenação. Se sob a ótica jurídica há algo estranho nessa mal contada história, sob o prisma político há explicações para esses dois casos. Após acusar Luiz Gushiken de ser o mandante das operações com Marcos Valério, o ex-dirigente do BB foi abandonado pelo PT. E agora paga caro por sua delação antecipada e nada premiada. Já o ex-presidente da Câmara continua amparado pela cúpula do Partido dos Trabalhadores, pois sabe além do que muitos companheiros gostariam. Atitudes típicas de grupos mafiosos.

Nos últimos tempos, muitos julgamentos no Supremo passaram a contar com o viés político, o que compromete sobremaneira o entendimento do Direito, mas a atuação de Lewandowski na quinta-feira (23) foi escandalosamente partidária, mesmo ele não sendo filiado ao PT. De tal modo, faltou muito pouco para que o ministro passasse para o time dos bem remunerados rábulas que defendem os mensaleiros, tamanho foi seu esforço para inocentar o deputado petista e, por conseguinte, Marcos Valério e seus dois sócios.