Esta gente está diferente

(*) Carlos Brickmann –

Tem dias que a gente acorda e pensa que está sonhando. Os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski concordam numa sentença de condenação, e os réus são banqueiros. Já aconteceu uma vez, com Salvatore Cacciola, mas banqueiro julgado e condenado não chega a ser um fato comum no país.

Luiz Estevão concordou em devolver uma boa quantia ao Tesouro. Não é o total, mas gente rica devolver alguma coisa não é comum. A Justiça suíça decidiu devolver ao Tesouro o dinheiro do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, lá congelado há vinte anos. São quase R$ 14 milhões que voltam ao Brasil – dinheiro, segundo a Justiça, desviado na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. Obra pública superfaturada ter o dinheiro devolvido, mesmo que seja só uma parte? Convenhamos: isto é novidade e das grandes.

E quando é que se ouviu falar na renúncia de dois candidatos à Prefeitura, João Paulo Cunha, do PT de Osasco, condenado no caso do Mensalão, e Edgar Nóbrega, do PT de São Caetano, que aparece num vídeo pedindo dinheiro?

Alguns sonhos se realizaram, mas a vida normal continua. O deputado federal Rubens Otoni, do PT de Goiás, filmado quando pedia R$ 100 mil ao bicheiro Carlinhos Cachoeira, acabou inocentado porque, embora pedindo, não levou. O deputado federal Sandes Jr., do PP de Goiás, também foi filmado pedindo dinheiro a Cachoeira, e também escapou porque não levou.

Pelo jeito, pedir propina pode, não é falta de ética; falta de ética é só quando o subornador paga.

A dança da bailarina

A defesa de Kátia Rabelo, presidente do Banco Rural, diz que ela nada tinha a ver com a atividade do banco: seu pai, que o administrava, morreu; sua irmã, sucessora, morreu; e ela, que só se dedicava ao balê, virou banqueira por acaso. Como disse o advogado, “é apenas uma bailarina”.

Para os ministros, não era.

Confissão envergonhada 1

Luiz Antônio Pagot, que foi diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes, DNIT, contou na CPI do Cachoeira que, a pedido do tesoureiro da campanha presidencial de Dilma Rousseff, obteve R$ 6 milhões de 30 empresas contratadas pelo Ministério dos Transportes. Arrecadou ainda para os candidatos a governador Ideli Salvatti, PT de Santa Catarina, e Hélio Costa, PMDB de Minas.

É uma confissão grave: um alto executivo do Governo, pago com dinheiro público, caçando recursos privados para campanhas eleitorais. Nenhuma empresa arriscaria seus contratos recusando a doação. Vai ficar assim?

Confissão envergonhada 2

Celso Russomanno, PRB, candidato à Prefeitura de São Paulo, negou que seu partido seja tão ligado como parece à Igreja Universal do Reino de Deus. Reforçou: “O partido aceita inclusive homossexuais. Temos vários candidatos pelo Brasil que são homossexuais”.

Se o PRB fosse o braço político da Igreja Universal, como se acredita, rejeitaria homossexuais? Que tem a ver sexo com política?

Confissão envergonhada 3

Ao negar que o PRB seja um braço da Universal e do bispo Edir Macedo, Russomanno disse na TV que 80% dos adeptos do partido não são evangélicos. Os evangélicos seriam 20%, dos quais só 8% ligados à Igreja Universal.

Pois é: de onde tirou esses números? O PRB investiga a religião de seus adeptos?

Falcão falante

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse que a condenação do deputado mensaleiro João Paulo Cunha foi “um golpe grande, que faz parte de uma ação daqueles que foram derrotados nas urnas três vezes seguidas para a Presidência da República mas insistem em querer nos derrubar e nos destruir”. Pior: que o PT foi vítima de um golpe de setores conservadores da sociedade, “junto com setores da grande mídia”.

Rui Falcão, o José Dirceu que não deu certo, esqueceu de citar alguns fatos – por exemplo, que o deputado mensaleiro João Paulo Cunha, obrigado pelo próprio partido a renunciar à candidatura pelo PT a prefeito de Osasco, foi condenado por 9×2 no Supremo. Outros fatos:

1 – Dos onze ministros, oito foram nomeados pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT. Dos outros três, um (Gilmar Mendes) foi nomeado por Fernando Henrique, um (Marco Aurélio Mello) por Fernando Collor, um (Celso de Mello) por José Sarney.

2 – O procurador-geral da República que iniciou o processo dos mensaleiros e os acusou de formação de quadrilha, Antônio Fernando de Souza, foi indicado pelo presidente Lula;

3 – o procurador-geral que o substituiu e apresentou a acusação no Supremo, Roberto Gurgel, foi nomeado pelo presidente Lula.

Turismo e preconceito

A ideia da campanha é ótima: combater o turismo sexual em Pernambuco. A execução é péssima: o grupo Fórum Permanente Pernambucano Pró-Vida equipara o homossexualismo a práticas criminosas, como pedofilia e exploração sexual de menores.

O grupo preconceituoso se intitula “cristão”, mas misturar comportamentos que não aprova com crimes previstos em lei cristão é que não é.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S.Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.