(*) Arnaldo Jardim –
Sem contar com políticas públicas estáveis para incentivar e assegurar a produção, o etanol perde espaço na matriz energética brasileira. A competitividade desse estratégico combustível renovável sucumbe ao artificialismo do preço da gasolina que, importada em volume cada vez maior, aumenta a emissão de gases de efeito estufa e pressiona o déficit da conta de combustíveis.
A participação relativa do etanol caiu 34% nos últimos anos, enquanto a da gasolina e diesel, muito mais poluentes, dispararam no mesmo período.
A possibilidade de o etanol da cana de açúcar conquistar outros mercados por sua vantagem competitiva e pelo seu diferencial de sustentabilidade ambiental vai ficando mais distante. Em 37 anos de existência do Proálcool, o etanol combustível substituiu até o último mês de junho mais de 2,2 bilhões de barris de gasolina, o que contribuiu para a geração de emprego e renda e na redução do aquecimento do planeta. Imagine-se a atmosfera da cidade de São Paulo sem o nosso etanol.
O etanol da cana é um patrimônio nacional. Com a importação em 2011 de 1,15 bilhões de litros de etanol anidro produzido nos EUA a partir do milho, criamos empregos lá e deixamos de movimentar o setor sucroalcooleiro aqui. O volume importando foi 15% além do necessário porque a mistura à gasolina foi reduzida para 20%, e mais de 500 milhões de litro “se transformaram” em etanol hidratado, numa virada brusca que evidenciou a falta de planejamento do governo.
O aumento da importação de etanol, gasolina e diesel está na contramão do discurso oficial de que o Brasil não pode e não deve abrir mão do uso de energias renováveis e limpas. Some-se a isso o fato de que a anunciada independência energética não se concretizou. Não conseguimos aumentar a oferta de combustíveis renováveis e fósseis de forma condizente com o aumento da demanda.
Para o setor sucroenergético recuperar fôlego e colocar o Brasil na vanguarda mundial dos biocombustíveis, depende-se muito mais da ação do governo do que propriamente do mercado. Os investimentos em inovação tecnológica aplicada à cultura da cana de açúcar, que em grande parte é responsável pelo boom que a agricultura brasileira vive nos últimos anos, são fundamentais para continuarmos avançando na produtividade e na qualidade do etanol. A pesquisa e a inovação podem avançar na consolidação do etanol de segunda geração.
A recuperação do preço do etanol hidratado, via desoneração de impostos cobrados pela União e estados, é a questão central, como a definição de seu padrão e fixação do percentual de mistura à gasolina, ou seja, sua participação na matriz de combustíveis.
A ANP (Agência Nacional de Petróleo) anuncia que o aumento do percentual de etanol anidro na gasolina voltará em maio ou junho de 2013. A redução foi a toque de caixa, o aumento é projetado a médio prazo e assim a referencia capaz de determinar a previsibilidade e cenários firmes fica indefinida.
Outra solução para retomar a competitividade desse combustível é a utilização da CIDE em seu aspecto regulatório, inclusive incorporando a sua dimensão ambiental. Sem contar que o regime de redução do IPI para indústria automobilística precisa ser estendido para os carros flex. Quem tem carro com esse tipo de motor precisa ser incentivado. As montadoras que conseguissem reduzir o consumo de etanol, com maior eficiência em seus motores, por exemplo, teriam uma redução mais substancial de IPI.
São necessárias também regras duradouras e a criação de linhas de crédito para estimular o setor ainda abalado pela crise de 2008 e por fatores climáticos que reduziram a produtividade dos canaviais. Na safra 2011/2012, a produção do biocombustível recuou 17%, o que representa algo em torno de 5 bilhões de litros a menos de etanol no mercado que tem de ser compensado por importações.
A recuperação do setor tem que levar em conta a ampliação do parque de moagem e a renovação de canaviais. Neste sentido, o aperfeiçoamento do Prorenova (Plano de Recuperação dos Canaviais), bem como a sua flexibilização, é essencial para aumentar o nível de financiamento e reduzir a burocracia excessiva na contração de recursos.
O setor sucroenergético precisa de um conjunto de medidas de curto, médio e longo prazo para ampliarmos e renovarmos os canaviais, aumentarmos a eficiência das unidades produtoras existentes e estimularmos a construção de novas plantas.
O setor passou por grande transformação nos últimos anos, tornou-se heterogêneo. Novos players se integraram e com isso criou-se visões diferentes. Por isso precisamos buscar o consenso em torno de um conjunto de medidas, pois temos acumulo para tanto. É preciso defendê-las com a consciência de que somos um setor essencial e estratégico ao país. O governo ajuda no que for seu papel e o setor com sua capacidade empreendedora. O que se busca é uma política de Estado para o etanol e não benesses.
O governo tem que assumir se o etanol é ou não prioridade e adotar medidas coerentes e urgentes a respeito. Não podemos perder mais tempo e abdicar da enorme vantagem apresentada pelo biocombustível em relação aos fósseis. O País pagará um preço se a indefinição e omissão persistirem.
(*) Arnaldo Jardim é deputado federal (PPS-SP) – membro da Comissão de Minas e Energia e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional.