(*) Heitor Scalambrini Costa –
A reação foi imediata após a publicação das Portarias Interministeriais 578, 579 e 580, na quinta-feira (1/11), trazendo o cálculo do Governo Federal para as indenizações dos ativos não amortizados e não depreciados; e os valores máximos das tarifas que as geradoras elétricas poderão cobrar pela energia no âmbito da Medida Provisória (MP) 579. Associações representativas do setor, entidades de classe, dirigentes das empresas, especialistas, foram unânimes em afirmar e denunciar que os valores das indenizações são insuficientes, e a tarifa imposta acarretará uma perda de receita superior a 80%, comprometendo assim não só a qualidade dos serviços prestados, mas a própria sobrevivência das empresas.
Havia uma expectativa de que os ressarcimentos levassem em conta valores apresentados nos últimos relatórios contábeis, o que poderia alcançar 50 bilhões de reais; e que as tarifas ficassem em patamares suficientes para remunerar os gastos das empresas, incluindo os investimentos necessários. Todavia o total do ressarcimento para as geradoras e empresas de transmissão foi de aproximadamente R$ 21 bilhões de reais. Mesma quantia que o governo já dispunha em caixa, arrecadado pelo encargo Reserva Global de Reversão (RGR) cobrado nas contas elétricas de todos os consumidores desde 1957. Daí, pode se imaginar que os “especialistas” do governo fizeram a conta de trás para frente. Partindo do saldo já arrecado, chegaram aos valores das indenizações.
Com relação às tarifas para as empresas que aderirem às condições de renovação, referem-se exclusivamente ao valor do Custo da Gestão dos Ativos de Geração (GAG), e nelas estão incluídos, segundo o governo, os custos regulatórios de operação, manutenção, administração, entre outros. A tarifa corresponde à principal receita mensal das empresas. Neste caso com os cálculos do governo, os valores despencarão, de até então R$ 90,00/MWh, para uma tarifa média em torno de R$ 15,00/MWh.
Ninguém é contra baixar as tarifas para o consumidor final. Pelo contrário, é um clamor nacional há anos, já que as mesmas estão situadas em patamares comparadas as mais altas tarifas do mundo. Todavia, existe um quase consenso de que os meios usados pelo governo federal colocarão em risco econômico-financeiro as companhias estatais, patrimônio do povo, construídas ao longo das ultimas décadas. Existem outros caminhos alternativos que levaria a redução dos preços da energia para consumidor final. Mas este é outro assunto.
Quase todas as empresas aceitaram adiantar o prazo das renovações das concessões. Aceitaram contribuir e reduzir as tarifas cobradas pela energia elétrica produzida, que sem duvida favorece para as altas tarifas pagas pelo consumidor final. Todavia não esperavam que o valor estipulado do ressarcimento fosse tão baixo assim. Estima-se uma perda da ordem de R$ 47,6 bilhões para as empresas geradoras e transmissoras que aceitarem a proposta governamental. Este valor inclui apenas as perdas de receita e indenizações que as empresas teriam direito a receber até o vencimento das concessões, entre 2015 e 2017. A renúncia de receitas garantidas até o fim dos contratos corresponde a aproximadamente R$ 32 bilhões, e outros R$ 15,5 bilhões as perdas relacionadas a investimentos em manutenção das geradoras de energia e a ativos de transmissão que entraram em operação antes de 2000, para os quais a MP não prevê indenização.
O governo alega que as indenizações foram calculadas de acordo com uma fórmula aceita internacionalmente, que leva em conta o valor que o empreendimento teria, se fosse construído agora, descontada a depreciação. Esta questão sem duvida será motivo de uma batalha judicial. E quanto às tarifas estipuladas serem quase seis vezes inferior do que se era cobrado, há uma gritaria geral de que não cobrem os custos operacionais, não permitem realizar novos investimentos, e nem remunerar os acionistas.
No caso da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) o ressarcimento previsto pelas usinas contempladas é da ordem de 5,1 bilhões. Bem abaixo dos 14 bilhões declarados e divulgados no último relatório do conselho de administração, de dezembro de 2011. Mesmo com a redução brutal das tarifas de R$ 92,00/MW (valor anteriormente cobrado pela companhia) para R$ 12,00/MWh, a reação de seus dirigentes foi extremamente tímida em relação a outros dirigentes de estatais, que ameaçaram recorrer a justiça em defesa das companhias que dirigem, e de convocarem os acionistas para discutirem as renovações das concessões. Mas na Chesf o silêncio predominou, sem que nenhuma satisfação fosse dada a sociedade, nenhum posicionamento até o presente tornado público.
Neste ponto observa-se a iniciativa da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa pernambucana (ALEPE), que convocou uma audiência pública para discutir os problemas que vem afetando o setor elétrico. Mesmo confirmando presença a Chesf, em sintonia com a Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Companhia Energética (Celpe) não compareceram, desrespeitando não só as entidades presentes como o Procon Estadual, a ONG Ilumina Nordeste, a Agência de Regulação de Pernambuco (Arpe), o Sindicato dos Urbanitários, a Federação das Industrias (Fiepe), Clube de Engenharia, o Fecomercio; mas toda sociedade pernambucana, representada pelos deputados estaduais.
Só temos que lamentar esta conduta. O que corrobora a falta de compromisso com a democracia, o autoritarismo e a prepotência que reina no setor elétrico. Além da interferência política partidária que acaba submetendo a empresa e seu corpo de funcionários a interesses das agremiações partidárias, mostrado que os dirigentes tomam lado daqueles que os indicaram para os cargos, e não da companhia estatal que é do povo brasileiro.
(*) Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.