Nossas censuras particulares

    (*) Marli Gonçalves –

    Tanta coisa que não podemos de jeito nenhum dizer ou pensar em voz alta! Nem escrever! Eu, essencialmente, como jornalista. Você, talvez até como amigo ou amiga, pai ou mãe, profissional disso ou daquilo. Todo mundo tem uma censura particular – o “se faz de bobo para continuar vivendo”. Então, mordemos a língua, falamos cifrado, tentamos induzir que as pessoas percebam sozinhas, usamos entrelinhas, ou guardamos como segredos a sete chaves, lá, junto com os nossos próprios, os que admitimos

    É a hora em que todo mundo, essencialmente, também, senta em cima do rabo. Pronto, falei! Afinal quem não oculta alguma coisa bem pessoal, lá no seu recôndito, e que, por mais boba que seja, não quer que se saiba?

    Nesta semana me diverti muito lendo o noticiário político, não por causa dos execráveis acontecimentos, operações de portos seguros e corruptos, mas porque estava acompanhando os verdadeiros malabarismos linguísticos utilizados na imprensa para descrever a ligação da ex-chefe do escritório da presidência, Rosemary Nóvoa Noronha, com o também ex-presidente Lula. (Tem mesmo muito ex mandando nesse país). Nome conhecido de quem transita na política, mas que poucos ousavam falar alto, Rose caiu; virou de vez a Geni da vez. Mas sempre com uma névoa, para fazer trocadilho com o nome; ou com uma nódoa, como lembrou uma amiga. Até o momento que escrevo, uma relação citada sempre indiretamente – não surgiu prova, fato, foto, vestido azul, charuto, batom na cueca ou fio de bigode na calcinha. O famoso é porque é. Ou é porque deveria ser. Só pode ser.

    Mais uma vez, neste escândalo, percebemos as várias formas de dizer as coisas. Vou citar algumas das expressões e descrições que li, de cabeça: relacionamento íntimo, era muito próxima, “falava ao ouvido”, o conhecia muito, privava da confiança, “a mulher de Lula”, viajava sem estar na lista oficial, Dona Marisa nunca ia junto nessas ocasiões, Dona Marisa não gosta dela, “Marquesa de Santos”, etc. e daí para pior quando o texto está em algum blog radical ou comentário anônimo. Até literatura de cordel apareceu.

    Essa tal liberdade de imprensa tem ressalvas, e quem tem, tem medo. Ninguém quer, e nem pode arcar, com certos ônus, e aí passa a trabalhar com a indução do pensamento humano que, ao mesmo tempo, é meio lerdo e a ficha demora a cair. Daí, em uma semana ter havido o recrudescimento e muita criatividade nas descrições do caso que pode levar Lula na corredeira, não pelos sentimentos, mas por onde isso tudo pode ter escorrido e escoado.

    Voltando às nossas censuras particulares – mais dentro do ponto onde quero chegar porque não aguento mais falar dessa política rastaquera sem oposição confiável – as divido em públicas e privadas. As que você se auto-censura, para não perder o emprego ou o amigo, por exemplo. E as que são exatamente as características que podem nos fazer tão diferentes uns dos outros, entre elas incluindo as sexuais. Conheço gente que não consegue reconhecer algo, seja preferências ou taras, nem em si próprio, o que deve ser terrivelmente solitário, porque aí precisa viver duas vidas. Alguns casos levando ao suicídio, duas pessoas tão diferentes que não conseguem conviver no mesmo corpo, e um lado tenta matar o outro. Mais complexo que dupla personalidade, bipolaridade.

    Há quem, fora amores e amantes, não tema nada e se jogue das formas mais radicais em tudo. Daí, alguns gênios ousados; escritores de sucesso. Ex-donas de casa suburbanas hoje milionárias em 50 tons de cinza e sagas de bruxinhos.

    Precisa não ter censura. Não parar. Gostar de uma aventura radical, ir fundo. E, claro, ter alguém insuflando ou apoiando, dando poder.

    Mas quem está preparado? Eu não. Pelo menos ainda não.

    São Paulo, conversinhas de alcova, 2012

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