Chuva paulistana em noite de tenor italiano é prenúncio de fiasco na Copa

    (*) Ucho Haddad

    Conviver com a corrupção tornou-se a rotina de nós brasileiros de bem. Os que foram abduzidos pelas esmolas sociais e os carnês vencidos acreditam que o Brasil é o país de Alice, aquele das maravilhas. Dia sim, dia não o noticiário traz em suas manchetes ao menos um escândalo de corrupção. De igual modo todo dia tem algum político dizendo besteira, como se aqui fosse um enorme picadeiro ou um hospício de dimensões continentais.

    Há frases do genial e contundente Nelson Rodrigues que são tão atuais, que às vezes penso que ele não morreu. Algo como “Elvis não morreu”. Uma dessas frases espetaculares é “Hoje em dia os idiotas sobem no caixote e fazem discurso.” Parece que Nelson Rodrigues, que de fato nos deixou em 1980, abriu o jornal de hoje e na sequência escreveu o que veio ao pensamento sobre os atuais donos do poder.

    Em sua recente ida a Paris, a presidente Dilma Rousseff disse a empresários europeus que construirá 800 aeroportos regionais. O governo do PT não consegue eliminar as goteiras do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, que alaga com uma chuva forte, mas quer ver a dança do dinheiro para erguer oito centenas de novos aeroportos, que devem morrer no papel. E Dilma falou isso com tanta certeza, como se para essa tanto de aeroportos não precisasse de obras de infraestrutura, responsabilidade do governo, não dos eventuais e desavisados investidores.

    Depois de deixar a cidade-luz, onde desfiou o besteirol, Dilma rumou para Moscou e lá continuou acionando o realejo de sandices. Afirmou a neopetista Dilma, ao lado do bisonho Vladimir Putin, que Rússia e Brasil em breve poderão trocar experiências em termos de realização de megaeventos esportivos. A mandatária tupiniquim se referiu à realização da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

    Tão logo a FIFA, em 31 de outubro de 2007, anunciou o Brasil como sede da próxima Copa, fui rápido ao afirmar que se tratava de uma grande loucura. A entidade maior do futebol planetário cometeu um enorme equívoco, enquanto o governo brasileiro exibiu suas conhecidas e largas doses de irresponsabilidade. Fui criticado, óbvio, mas preferi não revidar, pois afinal o senhor da razão é o tempo.

    O tempo passou e tem mostrado que o Brasil não está preparado para receber um evento da proporção da Copa do Mundo. Para que não digam que sou do contra, uma árvore de Natal consegue parar parte da maior cidade brasileira, o lugar onde nasceu este ácido crítico do governo, São Paulo.

    Deixo de lado a árvore de Natal, pois trata-se de algo sazonal, e parto para algo mais realista. Um dos mais badalados tenores da atualidade, Andrea Bocelli tentou se apresentar em São Paulo na noite de quinta-feira, 13 de dezembro. Por pouco Bocelli não precisou de uma bóia no palco, tamanho foi o estrago provocado por uma chuva que atingiu a capital dos paulistas. Mas o governo nada tem a ver com a piscina do Bocelli.

    Chegar ao local do evento exigiu paciência e pelo menos três horas em um dos piores trânsitos do mundo. Quem pagou quase mil dólares pelo ingresso e conseguiu entrar, teve de assistir o espetáculo debaixo da chuva e enfiando a canela na lama. Azar de quem gastou esse dinheiro todo, sabendo que em dezembro chove à beça em São Paulo e que evento a céu aberto é coisa para escafandrista ou gente do miolo mole.

    Pode ser que São Pedro quis fazer uma homenagem ao tenor italiano e transformou a cidade em uma versão tropical de Veneza, pois a certa altura, em muitos lugares, a cidade era um emaranhando de canais, com carros parecendo gôndolas desbaratadas.

    Pois bem, quem não conseguiu entrar no show, porque o estacionamento lotou, acabou na pizzaria mais próxima, obviamente que disparando palavras nada ortodoxas aos quatro ventos. Quem entrou e molhou inclusive a alma ao som do craque Andrea Bocelli, demorou até duas para deixar o local. Para um público seleto e endinheirado, o show de Bocelli aconteceu em área nobre da cidade, onde a chamada mobilidade urbana é acima da média nacional. Mesmo assim, ficou provado que a Copa será um fiasco.

    Agora deixo o Bocelli de lado e passo ao Itaquerão, ou Arena Corinthians, como queiram, um dos estádios da Copa do Mundo e palco do jogo de abertura da competição. A Arena Corinthians fica no extremo da Zona Leste paulistana, região onde a infraestrutura deixa muito a desejar. Há metrô que leva até lá, é verdade, mas quem optar por esse modal de transporte durante a Copa precisa ter espírito de sardinha em lata. Do contrário é melhor não ir.

    O Itaquerão é o estádio com que os corintianos sonham há pelo menos cinco décadas. E a inauguração acontecerá com o jogo de abertura da Copa. Ou seja, não é preciso revelar o que acontecerá neste fatídico dia na região. Se para o Campeonato Mundial Interclubes o Corinthians arrastou 30 mil torcedores ao Japão, não exige muito esforço do raciocínio imaginar no que será transformado o entorno do Itaquerão.

    A grande maioria dos hotéis medianos e bons da cidade fica nas regiões sul e central. Na Zona Leste, onde estará fincado o Itaquerão, não há hotéis por perto. Da conhecida Praça da Sé até a Arena Corinthians a distância é de 19 km. Da Avenida Paulista o percurso cresce um pouco e chega a 23 km. Traduzindo isso em dinheiro, o desavisado turista que for de táxi ao estádio nesse dia terá de desembolsar por volta de R$ 600. Tomo como exemplo o valor de uma corrida de táxi em dia de shows de estrelas da música internacional. Os adoráveis taxistas cobram até R$ 400 para levar um passageiro do Estádio do Morumbi até a divisa entre a Zona Sul e o centro. Em outras palavras, o turista estrangeiro que vier para a Copa saberá o que é bater carteira tão logo coloque o pé para fora do hotel.

    Para não irritar a “cumpanherada”, deixo essas filigranas para outra ocasião e passo para os elefantes brancos que estão sendo construídos em algumas capitais brasileiras. Sem nenhum histórico convincente de futebol nos respectivos estados, as cidades de Brasília, Cuiabá, Manaus e Natal já enxergam as obras de estádios que ao final terão consumido dos cofres públicos alguns bilhões de dólares. Por certo alguém dirá que são arenas multimídia. Então será preciso montar uma usina de shows para ocupar essas obras do além. Na África do Sul, sede da Copa anterior, as autoridades já pensam em eliminar alguns dos estádios construídos por exigência da FIFA, pois a manutenção de algo inútil é muito mais cara que a demolição.

    Outro detalhe que assusta nesse imbróglio futebolístico é o custo de alguns estádios para a Copa. Para que não pareça implicância da minha parte, tomo como referência o Palmeiras, que em breve terá o seu novo estádio. A iniciativa privada colocou o lendário Parque Antártica no chão e está erguendo uma arena multimídia moderníssima ao custo de R$ 420 milhões. Prefiro errar na conta e içar o custo final ao patamar de R$ 600 milhões. Melhor assim! No contraponto, a reforma do mundialmente famoso Maracanã custará aos cofres públicos, pelo menos por enquanto, mais de R$ 1 bilhão.

    Diante de tão macabro cenário, vejo-me impelido a concordar com a sábia Dilma Rousseff, pois o Brasil, alguns meses adiante, terá experiência de sobra para mostrar aos russos. Dilma ensinará Putin a fazer renda extra, ele ensinará a petista a enrolar mais. A presidente não está muito preocupada com o que ocorreu antes e depois do show do Bocelli, pois com o suado dinheiro do contribuinte brasileiro foi ao Teatro Bolshoi, em Moscou.

    Se Deus quiser e eu puder, no período da Copa quero estar bem longe do Brasil, acompanhando o vexame verde-louro de algum lugar dessa tresloucada bola chamada Terra. Quem sabe não vou para um país verdadeiramente organizado, onde serei bem recebido, correndo o risco de ver Andrea Bocelli cantando por “quinhentão”.

    (*) Ucho Haddad, paulistano da gema e nascido às margens plácidas do riacho do Ipiranga, é jornalista político e investigativo, cronista esportivo, escritor e poeta.