Dona Canô: Bahia perde sua mais eficiente e equilibrada embaixadora

    (*) Ucho Haddad –

    A Bahia amanheceu órfã. Rompeu o dia faltando uma parte importante e festejada. Claudionor Viana Teles Veloso, a Dona Canô, despediu-se da vida depois de mais de 105 anos bem vividos. Mãe de todos os baianos, admirada em todo o País, Dona Canô foi a embaixadora da Bahia sem ter ultrapassado as fronteiras de Santo Amaro da Purificação, cidade encravada no Recôncavo Baiano.

    Dona Canô conseguiu essa proeza, de representar tão bem a Bahia em todos os cantos do Brasil, a partir da sua alegria, da sua firmeza, da sua doçura, da forma como encarava a vida. Muito além de presentear os brasileiros com os filhos famosos, Caetano e Maria Bethânia, além de outros seis, Dona Canô deu toque inigualável à malemolência baiana com sua essência de mulher guerreira. Esculpiu o espírito baiano com o mais sagrado dos cinzéis.

    Canô – aqui peço licença pela intimidade pontual – aprendeu com o tempo e teve sabedoria de sobra para a ele dar lições. Como tudo na vida, cada acontecimento tem a sua hora exata. Assim foi a mãe de cada um dos filhos da terra de todos os santos. E assim será lembrada, como a mulher que desfrutou a plenitude da vida e soube a hora de partir. Até mesmo nesse difícil momento para quem fica ela tinha um acerto com o Senhor. Até porque, como está grafado em um dos versos da música que leva seu nome, “antiguidade é posto, tem que se respeitar”. De tal modo, Dona Canô despediu-se no dia de Natal, assim como os geniais Charles Chaplin e Joan Miró.

    Dona de uma receita que misturava austeridade com diplomacia, Dona Canô era a fulanização da democracia. Declarou voto em Dilma Rousseff, enquanto o filho Caetano apoiava Marina Silva. A matriarca do clã Veloso conquistou o respeito e a admiração de inimigos políticos figadais, como Antônio Carlos Magalhães e Lula, sempre dedicando a todos a mesma fidalguia que exalava do casarão em que morava em Santo Amaro da Purificação. Foi exemplo de fé inquebrantável, cantado em “Reconvexo”, por Maria Bethânia: “quem não rezou a novena de Dona Canô”.

    Dona Canô, isso não é presente que se dê no dia do Natal, em dia nenhum! Mas sua trajetória, apesar de ter dito que “nunca foi nada”, sempre foi um presente, um legado. Sua religiosidade driblou o santuário baiano e abraçou o País de forma maternal. Seu jeito marcante de ser foi a sombra maior que abrigou os que fogem do sol da impaciência.

    Dona Canô, o Senhor chamou, então vá! Sabendo que o seu exemplo ficará entre muitos e que a Bahia, triste e de luto, já não é mais a mesma. Tenha certeza de que neste Natal milhões de brasileiros gostariam de tê-la como “amiga secreta”, presenteando-a com a pílula da eternidade. Onde quer que esteja, a paz e a serenidade serão suas eternas companheiras.