(*) Sandro Fernandes –
A torcida organizada Landskrona, do clube russo Zenit, de São Petersburgo, publicou no último dia 17 um manifesto em seu site em que tenta justificar porque eles se opõem à concentração de jogadores negros e homossexuais na equipe. O manifesto, apesar de ter sido repudiado peladireção do clube, tem o apoio de grande parte dos torcedores.
Segundo o comunicado da torcida, os jogadores negros estão sendo “empurrados goela abaixo” no time e isso causa uma reação negativa. E que os gays, por sua vez, são “indignos da nossa grande cidade”. Antes de agosto, o Zenit era a única agremiação da primeira divisão russa sem nenhum jogador negro. O atacante brasileiro Hulk, o meio belga Witsel e o zagueiro Bruno Alves foram contratados recentemente, “impostos quase à força”, segundo alguns torcedores do clube.
A ideia do manifesto, de acordo com os idealizadores, é “preservar os valores do futebol” e a tradição do clube, mantendo um “significado especial para os moradores de São Petersburgo e da região”. O documento critica o futebol como um negócio, “que deixa ser o jogo do povo” e tem como única motivação o lucro. “Os clubes de futebol estão se desenvolvendo como grandes empresas e corporações”, diz o texto.
Para os torcedores do Zenit, o clube não deve copiar o modelo de clubes como os ingleses Manchester e Arsenal e o russo Anzhi Makhatchkala, que segundo eles “compram jogadores do mundo inteiro e não representam uma região ou uma cidade”. A torcida organizada critica ainda a transformação dos jogadores de futebol em estrelas de Hollywood, sem uma identidade.
O manifesto foi mais longe nas críticas e citou o comportamento dos jogadores fora do campo. “Para nós, o comportamentos dos jogadores fora do campo é quase mais importante do que aquilo que eles mostram durante as partidas”. Segundo a Landskrona, os torcedores não querem jogadores que demonstrem publicamente o seu vício em álcool ou em cigarros.
O manifesto da torcida organizada declarou também que a prioridade na contratação de jogadores deve ser por localização geográfica, na seguinte ordem: jogadores de São Petersburgo e da região de Leningrado, seguidos do noroeste e do centro da Rússia (Murmansk, Arkhangelsk, Petrozavodsk, Pskov, Novgorod, “com quem o Zenit tem relações históricas”) e, por fim, o resto da Rússia, Ucrânia, Belarus, países eslavos, países bálticos e Escandinávia. “Quaisquer outros continentes, exceto a Europa, não devem ser uma prioridade para o Zenit”. O grupo explica que este não é um tabu para os torcedores, mas alega que só tem sentido buscar um jogador de fora se realmente acabarem as possibilidades de se encontrar um bom jogador na Rússia e na Europa.
O comunicado reserva ainda um tópico especial chamado “Zenit e jogadores negros”, em que começa dizendo “Não somos racistas, mas para nós a ausência de futebolistas negros no plantel do Zenit é uma importante tradição que reforça a identidade do clube. Somos a equipe mais ao norte das grandes cidades europeias e nunca tivemos vínculos com a África, a América Latina, Austrália ou Oceania. Não temos nada contra habitantes destes continentes, mas queremos que joguem no Zenit atletas afinados com a mentalidade e o espírito da equipe”.
Segundo o grupo da torcida organizada, não teria sentido contratar jogadores destes locais. “Deixem-nos ser como somos”, pede o manifesto, que cita ainda que profissionais de zonas tropicais dificilmente se adaptariam às condições do rígido inverno russo. E pergunta: “O Athletic Bilbao também dá prioridade aos filhos da sua região. Por acaso os torcedores e o clube são acusados de serem racistas?”. Nesse caso, o Athletic só contrata jogadores de origem basca, mas como uma ferramenta pela sobrevivência da identidade basca e na luta pela separação da Espanha.
Um dos pontos mais criticados pelos grupos de direitos humanos e coletivos LGBT foi a clara menção a jogadores homossexuais. “Nós somos contrários a que representantes das minorias sexuais joguem no Zenit”.
Apoio entre a torcida
Entre os torcedores, o comunicado é amplamente apoiado. “Não há nada categórico contra os negros. Contra os gays, sim. Nós acreditamos que seja importante manter a identidade do nosso clube. Na Suécia, os jogadores são bósnios. Na Alemanha, turcos. Na Polônia, nigerianos. Isso não é bom. Cada equipe deve ter seu rosto”, explica Makar Gusev, torcedor do Zenit. “Na nossa cultura, a intolerância com as minorias sexuais é absolutamente normal. Um gay numa equipe de homens normais tem que ser banido”, completa.
Outro torcedor da equipe de São Petersburgo, que se identificou apenas como Kostya, também disse ser contra homossexuais na equipe. “Os negros não incomodam, mas ver futebol jogado por ‘bichinhas’? Isso é nojento, não suportaria. Eles precisam é de uma manicure. Sou contra”.
A intolerância declarada contra homossexuais, em uma cidade que recentemente aprovou uma lei contra qualquer tipo de propaganda gay (disseminação de informação a respeito do público LGBT), não causa nenhum constrangimento. “A homossexualidade é uma condição que precisa ser tratada. Durante o Império Russo, era considerada transtorno mental. Com os jogadores negros, a maioria dos torcedores não vê nenhum problema”, explica Marina Fadeeva.
Remando contra a maré dos torcedores entrevistados por Opera Mundi, o torcedor Daniil Belokopytov declarou não ter nada contra os ‘jogadores de cor’ e não se importar se eles gostam de meninas ou de meninos. “Eu só quero que marquem gols no campo”.
O secretário do sindicato dos jogadores e técnicos de futebol da Rússia, Nikolai Grammatikov, declarou à imprensa que a melhor maneira de agir contra esse tipo de manifestação é que, quando sejam convidados para jogar na Rússia, os jogadores, “principalmente os negros”, digam: “Perdão, eu adoraria participar do campeonato russo, mas o país precisa fazer alguma coisa. Eu não vou por causa dos racistas”.
Logo após o polêmico manifesto da torcida organizada do Zenit, o diretor do clube, Detmar Beiersdorfer, explicou à imprensa que “não há nenhuma política que limite as escolhas de jogadores dependendo da origem ou da cor da pele”. Uma nota oficial da equipe afirmou que o Zenit sempre se destacou por sua tolerância e sempre teve em suas fileiras jogadores de diferentes origens e credos. “Nosso clube conta com um exército de milhões de torcedores e admiradores em todos os continentes. A política do Zenit está dirigida para o desenvolvimento da integração dentro do esporte e combate a posturas arcaicas”.
Problemas com jogadores negros são comuns no país. O congolês Christopher Samba e o brasileiro Roberto Carlos, que jogam no Anzhi, já sentiram na pele o racismo na Rússia. Em repetidas ocasiões, torcedores jogaram cascas de banana no campo em clara alusão à cor da pele dos dois profissionais. Em agosto, o francês Yann M’Vila, negro de ascendência congolesa, recusou o convite para jogar no Zenit por ter recebido ameaças de morte.
(*) Sandro Fernandes é jornalista e correspondente do Opera Mundi em Moscou