A professora de Deus

(*) Carlos Brickmann –

Um dos clássicos da megalomania da imprensa, dizem os veteranos, é um editorial, num dos maiores jornais do país, com um trecho mais ou menos assim: “Caso Sua Santidade tivesse ouvido nossos conselhos (…)”. Pois mantemos nossa rota: mais uma vez, no melhor estilo ufanista, o Mundo se curva ante o Brasil.

Pois a presidente Dilma Rousseff foi ao Vaticano dar conselhos ao papa. Besteira essa história de estudar Teologia, ler e estudar o Velho e o Novo testamentos, aprender várias línguas para melhor captar o real sentido dos textos sagrados no idioma em que foram escritos; inútil essa história de conviver com cardeais e bispos, pessoas cultas e escolhidas para dirigir uma instituição de mais de dois mil anos, e que estudam e praticam não apenas religião, mas também política. Bobagem essa história de comandar a maior rede hospitalar do mundo, a maior rede escolar do mundo. Dilma dixit: Dilma diz, Dilma sabe, Dilma ensina.

Dilma aconselhou o papa a não apenas defender os pobres, mas também a compreender as pessoas e suas opções diferenciadas – seja lá isso o que for. A Igreja teve fases de brutal intolerância, cometeu crimes de monta (que, aliás, reconheceu, e pelos quais se desculpou), mas não é o caso, hoje em dia, quando dialoga com muçulmanos, judeus, católicos de ritos orientais, budistas e representantes de tantas religiões. Mas Dilma sabe: sem ter tido qualquer encontro com o papa, sem ter lido suas obras, acha que ele não defenderá posições progressistas.

Conta pra nós, Dilma: para um líder religioso, que será “posição progressista”?

O especialista

Mas a presidente não distribuiu suas recomendações ao papa sem nenhum embasamento. Em sua vasta comitiva (que, em vez de hospedar-se gratuitamente no Palácio Doria Pamphili, a magnífica sede da Embaixada brasileira, preferiu o Westin Excelsior, onde a diária mais em conta é de dois mil euros), está o ministro-chefe da Casa Civil, Gilberto Carvalho, que foi seminarista.

Talvez seja o único do grupo a saber a diferença entre água benta e o Emérito Papa Bento.

Os mais iguais

Experimente o caro leitor ser condenado por “improbidade administrativa, corrupção passiva e exploração de prestígio”. Vai direto para a cadeia, pra deixar de ser corrupto. Mas, como ensinou George Orwell no excelente A Revolução dos Bichos, todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros. O desembargador Júlio Cesar Cardoso de Brito, do Tribunal Regional Federal de Goiás, cujas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira foram reveladas pela Operação Monte Carlo, foi acusado de improbidade administrativa, corrupção passiva e exploração de prestígio. Os onze desembargadores do TRF-3, por unanimidade, o consideraram culpado. E qual a terrível punição que sofreu?

Acertou: deixa de trabalhar, mas continua recebendo normalmente os vencimentos de R$ 26 mil mensais.

Voltando à Bíblia

Esta coluna, hoje, fala muito em Bíblia – talvez porque a lei brasileira seja boazinha demais. O Brasil revogou mais um preceito bíblico, a punição divina à Humanidade pelo pecado original: “Ganharás o pão com o suor de seu rosto”.

Aqui, o figurão que cometer um crime ganha o pão e o caviar sem suor nenhum.

Pedágio sem retorno

Em qualquer estrada paulista há muitos postos de pedágio e a tarifa é alta. Há retorno: as estradas paulistas estão entre as melhores do país. Mas há concessionárias que devem explicações. Como justificar, por exemplo, as filas de caminhões que tentam chegar ao Porto de Santos? A Ecovias, que administra a Anchieta e Imigrantes, estradas que ligam São Paulo ao litoral, simplesmente assiste ao congestionamento, sem se mover para ampliar os acessos. O prejuízo dos produtores não lhe interessa? Neste ano, o congestionamento se deve, segundo as explicações, ao crescimento das safras de soja e milho.

Traduzindo, para que as concessionárias não tenham de cumprir suas funções – e funções que custam caro a quem quer que use as estradas – aquilo que deveria ser bom passa a ser ruim.

Verbas naufragadas

Em 2011, uma tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, especialmente em Petrópolis: quase mil mortes causadas por chuvas, deslizamentos e inundações. Jorraram promessas e verbas. Verbas? Bom, já houve prefeitos cassados por enfiar a mão no dinheiro destinado aos desabrigados. Promessas? Em Petrópolis, até hoje, dois anos depois, não foram construídas as casas prometidas pelos Governos estadual e federal. O número de mortos pelas chuvas deste ano ainda não é conhecido. A tragédia é: quem perdeu bens, parentes, amigos, animais de estimação nas chuvas de 2011 continua abandonado, mais frágil diante do temporal.

Palavra infeliz

Esta coluna começou com Dilma, termina com ela. Em Roma, disse que parte da culpa pela tragédia se deve às vítimas, que muitas vezes não querem sair dos lugares perigosos onde vivem. Claro: sair para onde, cara-pálida? Deixar as regiões de risco, os barracos inseguros – que pelo menos têm um teto – para ficar ao ar livre, ao sol e à chuva?

Senhora presidente: a culpa não é das vítimas.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.