Inflação, as domésticas e o mercado doméstico

(*) Fernando Rizzolo –

A observação cotidiana ainda é o melhor instrumento para avaliar a quantas anda a economia de um país, e isso tenho constatado quando, de forma quase ingênua, me pego comprando algo, ou tomando meu cafezinho no centro, observando o movimento, as pessoas, e refletindo como esse Brasil, do ponto de vista econômico, dança conforme o humor da popularidade da presidenta Dilma.

Uma coisa é certa: que venha a inflação, mas a popularidade, ah, essa não pode cair! Nesse arsenal político rastreia-se tudo o que possa fortalecer o sagrado voto: consumo em alta, direitos trabalhistas reforçados a quem ainda não os tem por completo (como o caso das domésticas), e uma leve condescendência no trato com a inflação. Tudo isso, é claro, preparando, sim, o terreno, para, quem sabe, uma leve subidinha nas taxas de juros, já acenada ao Banco Central.

É claro que as domésticas têm o sagrado direito aos encargos, mas, com a inflação chegando, o aumento das taxas de juros rondando, o mercado doméstico já relatando um sopro de frieza, fico aqui, entre um café e outro, pensando se a presidenta, em nome do popular, vai tudo conciliar?

Vejam que antes a culpa era do dólar: desvalorizou-se o real a pedido do empresariado, lançou-se mão de instrumentos tributários para tanto, depois se descobriu que a dose fora demasiada, voltou-se atrás – afinal os investimentos estrangeiros minguaram, o que poderia afetar e por em risco o mercado interno e por consequência a popularidade –, e assim vamos indo, conciliando para agradar setores, sem na realidade enfrentarmos a essência do custo tributário e da inoperância da nossa infraestrutura prejudicando a competitividade em temos de exportação.

Enfim, entre um café e outro, observar os efeitos da economia transcende o ato básico das compras, comprometendo inclusive meu fim de semana. Vou lembrando, entre um gole e outro do amargo café, a imensa fila de caminhões parados na entrada do Porto de Santos, que desfaz em mim qualquer pretensão de ida ao litoral. Afinal, pensar nas domésticas, deixar o mercado aquecido a qualquer preço, bater o recorde de popularidade é mais importante que a inflação, não é? E mais: quem não tem dinheiro para custear encargos de domésticos geralmente não vota no governo, costuma ir à praia no fim de semana, e adora ser servido no meio da tarde com quentinho cafezinho, outrora feito pela doméstica inviável, que acabou indo embora e me deixou com a xicara na mão, aqui no bar da esquina… Isso é que é baixa popularidade…

(*) Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e articulista colaborador da Agência Estado.(www.blogdorizzolo.com.br)